03/04/2023 às 15h24min - Atualizada em 05/04/2023 às 00h03min

Caso Robinho, possibilidades e impossibilidades

A questão é que, de fato existe sim a possibilidade legal do Robinho cumprir a pena no Brasil

SALA DA NOTÍCIA MP News

Antonio Belarmino Junior*, Eduardo Mauricio** e Victor Augusto Bialski***

Semanalmente devido ao histórico de grande jogador e da proporção que se tornou o caso, e ainda a luz do “Caso Daniel Alves”, toma-se o debate nas esferas jurídicas e acadêmicas, o caso do ex-jogador Robson de Souza, mundialmente conhecido como Robinho, o qual teria ocorrido em meados de 2013, pois, supostamente em conjunto com outros homens, teriam estuprado uma jovem em um clube noturno em Milão – Itália.

Com a conclusão das investigações, e ocorrido o transcurso penal, Robinho fora condenado no ano 2017, a pena corporal de 09 anos de reclusão, recorrendo aos Tribunais Italianos. Todavia, os recursos se esgotaram em janeiro de 2022, tornando a sentença em definitivo, isto é, com o tão conhecido trânsito em julgado.

Diante disso, a Itália solicitou a extradição do ex-jogador, a fim de que viesse a cumprir a pena no país que teria cometido o delito de estupro. Ocorre que, o pleito de extradição fora indeferido, isso porque, a nossa Constituição Federal de 1988 possui uma regra imutável; uma cláusula pétrea, a qual trata da impossibilidade de extraditar brasileiro para países estrangeiros, conforme art. 5º, IL da Constituição Federal.

Diante da negativa constitucional brasileira, o Governo da Itália enviou ao Ministério da Justiça Brasileira um pedido para que este cumprisse a pena no Brasil, ou seja, um pedido de transferência de execução de pena. 

A questão é que, de fato existe sim a possibilidade legal do Robinho cumprir a pena no Brasil, após a superação da primeira discussão, a aplicabilidade da Lei de Migração, a qual entrou em vigor em data posterior ao fato, caso superado, poderá sim ocorrer, isto é, através do pedido de transferência da execução da pena, devido a inexistência de vedação ao tema, entretanto se faz importante analisar alguns requisitos para que ocorra a homologação da pena perante o Superior Tribunal de Justiça.

Em primeiro momento, deve-se analisar se o fato cometido pelo ex-jogador também é tipificado como crime em nossa legislação brasileira e se a pena estipulada no estrangeiro também se encontra dentro dos parâmetros do preceito secundário brasileiro (pena mínima, pena máxima e o quantum fixado), seja o enquadramento pelo art. 213 ou qualquer outro que envolva os crimes contra a liberdade sexual.

Em seguida, deverá analisar, sem adentrar ao mérito, haja vista que uma análise de mérito ou uma nova persecução penal ensejaria um ne bis in idem, se poderá ocorrer a transferência da pena fixada no estrangeiro para que seja cumprida no Brasil, bem como analisar se o enquadramento jurídico, com fulcro nas regras do processo penal brasileiro se adequam ao que ocorreu no processo criminal da Itália, atentando-se aos princípios constitucionais e as regras processuais. 

Logo, com relação a esta última passagem, destaca-se que a Defesa do ex-jogador apresentou pedido para que fosse traduzido a íntegra do processo crime, o qual, por óbvio, se encontra em italiano, a fim de analisar a integralidade de todo o deslinde processual e, posteriormente, fazer uma análise crítica-jurídica sobre o possível enquadramento. Todavia, o Min. Relator Francisco Falcão do Superior Tribunal de Justiça negou o pedido, enfatizando que houve advogado devidamente constituído no processo da Itália. 

Cabe-nos aqui advertir que em nossa Constituição Federal e, até pelos recentes entendimentos do Supremo Tribunal Federal, é mister da Defesa ter acesso amplo e irrestrito, de forma totalmente legível, entendível e compreensível, a todo conteúdo que esteja travestido de uma roupagem acusatória e que contenha informações importantes. Logo, todo o processo criminal deveria ser traduzido a fim de trazer maior clareza para a Defesa, uma vez que não é obrigação saber fluentemente italiano, quiçá o “italiano jurídico” e ainda o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, prevê no Artigo 216-C, como requisito para homologação de sentença estrangeira, a sua tradução por tradutor oficial ou juramentado.

Aliás, também importante destacarmos que a justificativa de que poderia gerar muito mais tempo de processo, não vingaria, pois estamos tratando da liberdade de um indivíduo brasileiro, não importante se culpado ou inocente. A questão é que nossa Constituição Federal, em seu texto, fixou como um dos maiores fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, inciso III, da CF) e se não bastasse se faz necessário assegurar a efetividade do devido processo legal.

E ainda, também há de se comentar que, a tradução de processos para homologação, mesmo no caso do ex-jogador tenha constituído advogado italiano na Itália, é necessário para analisar a formalidade e validade da sentença estrangeira no Brasil, conforme o ordenamento jurídico brasileiro, necessário, portanto, a análise integral do processo traduzido, conforme preceituado pelo Art. 216-C, RISTJ.

Lembremos a citada decisão: “Entretanto, conforme consta da sentença submetida à homologação, o interessado foi regularmente representado por advogado por ele constituído, inexistindo razão para que se presuma, sem qualquer indicação precisa e objetiva, haver irregularidade no procedimento estrangeiro”.

Conclui-se que, não se está questionando o mérito, apenas a validade, forma, legalidade e possibilidade de a sentença estrangeira ser homologada no Brasil, observando os requisitos, como: se é crime no Brasil, se a pena é proporcional e também deverá analisar se o processo ocorreu dentro do devido processo legal brasileiro (artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal), se não houve violação de alguma garantia, se está de acordo com nossa legislação penal processual e em harmonia com a nossa Constituição Federal. Logo, o mais verossímil dentro dos parâmetros do devido processo legal e observando as garantias individuais do cidadão brasileiro, no caso ex-jogador Robinho, seria ou a tradução integral do processo ou deferimento de prazo razoável para um tradutor juramentado possa realizar o trabalho, antes da homologação ou não da sentença do estrangeiro, o que se debate não é o jogador, mas sim a efetividade de direitos e garantias fundamentais, para todos os cidadãos, conforme preceituou o sempre Min. Marco Aurélio, “Processo não tem capa, tem conteúdo”.

*Antonio Belarmino Junior é advogado criminalista, sócio do escritório Belarmino Sociedade de Advogados, Mestre em Direito Penal e Ciências Criminais pela Universidade de Sevilha - Espanha, pós-graduado em Ciências Criminais pela FDRP/USP, Presidente da ABRACRIM - SP (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Estado de São Paulo), Diretor Nacional de Relações Institucionais da ABRACRIM, Professor de Direito Penal da Faculdade FGP, Professor de Direito Penal e Processo Penal da pós-graduação do IEJUR, professor convidado da pós-graduação em performance advocatícia do ESD, autor de mais de 11 (onze) obras jurídicas, parecerista do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico e palestrante.

​**Eduardo Mauricio é advogado, mestre em Direito Ciências Jurídico Criminais pela Universidade de Coimbra (Portugal); pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS em Direito Penal econômico europeu, Direito das Contraordenações e Direito Penal e Compliance, pela Universidade de Coimbra (Portugal); pós-graduado pela CBF Academy (intermediário de futebol), inscrito na CBF e na FPF (Federação Portuguesa de Futebol) como intermediário; presidente da Comissão de Direito Penal Internacional da Abracrim (SP) e membro da International Association Penal Law (AIDP) em Lisboa e Paris.

​***Victor Augusto Bialski é advogado, pós-graduando em Direito Antidiscriminatório e Diversidades pela Damásio Educacional; em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS); em Direito Penal e Processo Penal Aplicados pela Escola Brasileira de Direito (EBRADI); associado ao IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e ao IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), membro do ICCS (International Center for Criminal Studies) e vice-Presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) 




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