De volta a admirável caverna nova

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Platão escreveu uma das alegorias mais grandiosas no Livro VII de “A República”, ele descreve um grupo de pessoas acorrentadas desde a infância no fundo de uma caverna, viradas para a parede, vendo apenas sombras projetadas por uma fogueira atrás delas. Essas sombras — distorções da realidade — são tudo que os prisioneiros conhecem. Para eles, as sombras são a realidade.

Um dia, um prisioneiro se liberta, sai da caverna e descobre o mundo real. Seus olhos doem com a luz do sol, mas gradualmente ele compreende que viveu toda a vida numa farsa. Tomado de compaixão, retorna à caverna para libertar os outros. Os prisioneiros, porém, não acreditam nele. Acham que enlouqueceu, são capazes de fazer qualquer coisa para impedi-lo de libertá-los — até matá-lo.

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Os prisioneiros originais de Platão eram “ingênuos em sua ignorância”, pois nunca tiveram a chance de conhecer outra coisa. Mas existe uma classe de habitantes “da caverna” infinitamente mais perigosa: os que deram um ou dois passos na direção da saída, viram alguns raios de luz e voltaram correndo para dentro da caverna convencidos de que agora são iluminados.

Existe um ditado que diz: “um pouco de conhecimento é uma coisa perigosa”. Aquele que nada sabe ao menos tem a possibilidade de reconhecer sua ignorância. Aquele que sabe um pouco, que leu meia dúzia de páginas na internet desenvolve a ilusão mortal de competência. Pior ainda: cercado de outros igualmente medíocres, ele recebe constante validação.

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O ignorante total, confrontado com sua falta de conhecimento, pode admiti-la e buscar aprender. O “pseudo-semi-conhecedor”, porém, já “estudou o assunto”. Ele tem informação suficiente para soar convincente para outros igualmente ignorantes, é como alguém que aprendeu uma jogada no tabuleiro e acha que sabe xadrez.

O ambiente medíocre amplifica exponencialmente esse problema. Quando você vive cercado de pessoas que sabem tão pouco quanto você, não há ninguém para expor suas lacunas de conhecimento. Todos se validam mutuamente em sua mediocridade compartilhada.

É o equivalente moderno da caverna de Platão: um grupo de pessoas olhando para a mesma parede, vendo as mesmas sombras distorcidas, e confirmando uns aos outros que aquilo que veem é a realidade total. Esses “semi-sábios” desenvolvem uma arrogância intelectual que é diretamente proporcional à profundidade de sua ignorância. Quanto menos sabem, mais confiantes se sentem. É o efeito Dunning-Kruger em escala industrial: pessoas com conhecimento limitado superestimam drasticamente sua competência porque não sabem o suficiente para reconhecer o quanto não sabem. Eles leram um artigo sobre filosofia na wiki e acham que podem debater com Descartes.

O verdadeiro sábio — aquele que realmente saiu da caverna e contemplou a luz do sol — reconhece a imensidão do que ainda não sabe. Quanto mais aprende, mais percebe o tamanho de sua ignorância.

Poderíamos até criar um capítulo na “alegoria da distopia” onde eles criam hierarquias dentro da própria caverna — alguns prisioneiros são considerados “mais iluminados” porque conseguem descrever as sombras com mais detalhes, ou porque memorizaram os padrões das sombras com mais precisão. Mas que no fim continuam todos olhando para a mesma parede, vendo as mesmas distorções, acreditando que aquilo é tudo que existe. Esses habitantes desenvolvem uma aversão visceral a quem realmente saiu e viu o sol.

A ironia brutal é que esses semi-conhecedores frequentemente nunca ouviram falar do Mito da Caverna. Vivem a alegoria platônica sem sequer saberem que ela existe. Habitam a caverna sem reconhecer as correntes, olham para as sombras sem perceber que são projeções distorcidas, e celebram sua condição como se fosse iluminação. São prisioneiros que não apenas não sabem que estão presos.

Platão termina sua alegoria com uma advertência: quando o prisioneiro liberto retorna à caverna para libertar os outros, eles não apenas rejeitam sua mensagem — eles o matam. Porque a verdade é desconfortável. Exige que admitamos que estivemos errados, que vivemos em ilusão, que o que considerávamos conhecimento era apenas ignorância disfarçada. É muito mais fácil matar o mensageiro e continuar olhando para as sombras na parede, convencidos de nossa própria sabedoria. E assim continuam os habitantes modernos da caverna: cercados de mediocridade, validando-se mutuamente em sua ignorância compartilhada, celebrando seu conhecimento superficial como se fosse profundidade, vivendo a alegoria platônica sem sequer saberem que ela existe. São os prisioneiros mais trágicos de todos — aqueles tão aprisionados em sua ignorância que nem enxergam as correntes que os prendem.

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