Por Leonardo Goldim
Acredito ser possível afirmar que, hoje, a relação do esporte com o mundo empresarial é mais íntima do que imaginamos. Seja como forma de desopilar a mente, ocupar o tempo livre, fortalecer a saúde mental ou ‘migrar’ esses princípios esportivos para o ambiente de trabalho: esse é um relacionamento cada vez mais presente, principalmente na alta gestão.
Só para termos como referência, recentemente, o kitesurfe virou a nova febre entre executivos brasileiros, colocando o litoral do Ceará como um polo do esporte e principal destino de empresários interessados. Lendo a reportagem, a gente entende que a prática conversa com essa busca por adrenalina e liberdade, uma sensação que se estende, inclusive, para a possibilidade de fechar negócios nesse espaço de descontração e troca mútua.
A paixão pelo kitesurfe é mais do que um escapismo, tem servido de alicerce para vínculos e amizades entre executivos. Claro, para quem tem condições de bancar o investimento e manter esse esporte como hábito. Spoiler: os valores são altos.
À primeira vista, ter um esporte como hobby não é nada anormal. Pelo contrário, física e mentalmente, é um costume bastante indicado para qualquer profissional, seja no litoral do Ceará ou na academia perto da sua casa, com atividades mais casuais. O corpo precisa estar em movimento.
E onde começa o problema?
Sendo bem direto, o problema começa quando normalizamos métodos e estratégias voltadas para esportes de grande intensidade no espaço empresarial – como se os parâmetros fossem os mesmos e como se todos os colaboradores fossem iguais. Essa discussão pode começar com um gancho igualmente comum na atualidade: o coaching esportivo. Palestras motivacionais, cursos, workshops, mentorias, são ações que fazem parte da rotina de inúmeras empresas. Mas não precisam, necessariamente, serem levadas à risca, cegamente, sem nenhum tipo de ponderação sobre mudanças que influenciam na recepção das pessoas para imposições, muitas vezes, fora da realidade.
Vamos utilizar o exemplo de um esporte de alto rendimento, que é a natação. Geralmente, a pessoa que busca se profissionalizar na modalidade começa nadando enquanto criança, leva uma vida inteira de preparação, com horas dedicadas ao treino diário – isso para disputar uma ou duas olimpíadas. Essa trajetória tem início na infância e pode terminar antes dos 30.
A “vida útil” de um atleta de alta performance é marcada por anos de puro esforço e repetição, que podem culminar em pequenos intervalos de glória. A relação entre esforço, profissionalismo e recompensa é muito distante do que observamos no dia a dia empresarial. Para o atleta, o equilíbrio entre os elos, talvez, seja o grande desafio. Seria plausível reproduzir essa mentalidade entre as empresas?
É sempre bom lembrar: profissional não é máquina
Podemos esperar que um colaborador reproduza o foco e a intensidade que um nadador profissional apresenta durante sua carreira, considerando toda essa preparação? E se essa situação for ‘forçada’, quais seriam as sequelas para a sanidade mental? Os profissionais, categoricamente falando, não são máquinas.
Isso não significa que esportes de alta performance não possam servir de inspiração para análises e reflexões. Não se trata de demonizar a influência do esporte, considerando seus benefícios e contribuições para a saúde mental. Mas de reconhecer o perigo de se transportar um contexto de enorme exigência física e psicológica para circunstâncias e cenários legitimamente diferentes. Temos um problema de (in)compatibilidade, que se não analisado, pode terminar em profissionais ainda mais esgotados e psicologicamente comprometidos. Os efeitos podem ser reversos.
Vendo o ‘copo meio cheio’, entendo e valorizo a utilização do esporte, como é o caso do kitesurfe, para fortalecer laços e fomentar o networking. No fim do dia, assim como qualquer outra tendência direcionada para a motivação e a produtividade no ambiente empresarial, é fundamental que o mindset esportivo seja dosado com equilíbrio e sensibilidade, reconhecendo diferenças e compreendendo a complexidade de processos do tipo. Sem extremismos e sem equiparar realidades distintas.
*Leo Goldim é Fundador e Diretor Executivo da IT2S Group.
Sobre a IT2S Group
Fundado em 2008, tem como objetivo inovar o relacionamento entre as atividades de segurança e privacidade com a rotina diária de pessoas e organizações, tornando essas disciplinas acessíveis a empresas de todos os tamanhos.