Caros leitores e colegas juristas,
É com grande interesse que acompanhamos e, por vezes, atuamos em casos que envolvem a complexa relação entre o fisco municipal e as instituições sem fins lucrativos. Recentemente, um caso emblemático de uma instituição de ensino superior sem fins lucrativos, autuada por ISSQN sobre serviços de estacionamento, nos oferece um excelente panorama da robustez de certas defesas tributárias e da estratégia jurídica adequada.
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Quero fazer parte!A situação é a seguinte: uma renomada instituição de ensino, cuja renda dos serviços de estacionamento é integralmente revertida para suas finalidades essenciais, foi surpreendida por autuações municipais referentes aos exercícios de 2008 a 2011. O Município, baseando-se na lista de serviços anexa à lei tributária local, exigiu o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). A falta de defesa administrativa tempestiva tornou o caminho judicial inevitável.
Diante deste cenário, a escolha da fórmula jurídica processual mais rápida e eficaz foi a Ação Anulatória de Débito Fiscal com Tutela Provisória de Urgência Antecipada. Essa decisão é estratégica e precisa. Por que a anulatória? Porque já existe uma autuação fiscal, um débito constituído, e há um interesse legítimo em buscar a condenação da parte contrária em honorários advocatícios em caso de sucesso. Alternativas como mandado de segurança, embora céleres, não permitem a condenação em honorários, um ponto crucial para a instituição.
A presente ação se fundamenta no Art. 38 da Lei n. 6.830/1980 e nos Arts. 300 e 303 do Código de Processo Civil (CPC), e é considerada tempestiva, pois o ajuizamento ocorreu dentro do prazo quinquenal após a autuação.
Os Pilares da Defesa: Imunidade e Nulidade
Do ponto de vista jurídico, a defesa da instituição se assenta em dois pilares inegáveis:
- Imunidade Tributária: Este é o cerne da questão. Instituições de ensino superior sem fins lucrativos gozam de imunidade de impostos sobre patrimônio, renda e serviço (ISSQN). A base para essa imunidade está solidamente estabelecida no Art. 150, VI, “c”, § 4º da Constituição Federal, no Art. 14 do Código Tributário Nacional (CTN), e é corroborada pelas Súmulas Vinculante n. 52 e n. 724 do Supremo Tribunal Federal. O ponto crucial aqui é a integral reversão da renda do estacionamento para as finalidades essenciais da educação. Se a totalidade dos recursos é utilizada para manter e ampliar os serviços educacionais, a cobrança do ISSQN desvirtua o propósito da imunidade.
- Nulidade do Auto de Infração: Como preliminar de mérito, a instituição argumenta a nulidade do auto de infração por omissão quanto ao valor do débito. O Art. 202, II, do CTN estabelece a necessidade de que a CDA (e por consequência, o auto de infração que a precede) contenha o valor do débito para ser válida. A ausência desse dado essencial configura um vício formal que pode, por si só, levar à anulação do ato fiscal.
A Urgência da Tutela Provisória
A solicitação de Tutela Provisória de Urgência Antecipada é mais do que uma medida processual; é uma salvaguarda para a continuidade das atividades da instituição. A ausência dessa proteção implicaria na incidência de juros e multas, o que, conforme o caso, inviabilizaria os investimentos necessários para manter e ampliar os serviços educacionais que a instituição presta.
Os requisitos para a tutela, a “fumaça do bom direito” e o “perigo da demora”, estão claramente presentes:
- A fumaça do bom direito se manifesta na forte probabilidade de reconhecimento da imunidade tributária e da nulidade do auto de infração.
- O perigo da demora reside nos prejuízos financeiros que a exigibilidade imediata do crédito tributário causaria, podendo comprometer a missão educacional.
Com o deferimento da tutela, a exigibilidade do crédito tributário será suspensa, permitindo a expedição de uma certidão positiva com efeito de negativa, um alívio fundamental para a gestão financeira da instituição.
Perspectivas e Implicações
Este caso, que se baseia em prova meramente documental, sem necessidade de dilação probatória, demonstra a importância de uma análise jurídica precisa desde o primeiro momento. A expectativa é que o pedido seja julgado procedente para anular a autuação, garantindo não apenas a isenção do imposto, mas também a condenação do Município ao pagamento de custas e honorários advocatícios, conforme o Art. 85 do CPC.
Em minha opinião, a defesa da imunidade tributária das instituições de ensino, especialmente quando a reversão integral da receita para as finalidades essenciais é comprovada, é um pilar do nosso ordenamento jurídico. Casos como este reforçam a necessidade de o fisco municipal observar rigorosamente as garantias constitucionais e as leis que protegem essas entidades, que desempenham um papel vital na sociedade. A atuação jurídica, nesse contexto, não é apenas um litígio, mas uma defesa da própria missão social da educação.
Escrito por Bruna Sobczack – Especialista em Direito Tributário, atua com Planejamento e Recuperação Tributária para negócios. Traduz temas complexos do direito em análises claras e estratégicas para o leitor.
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