O texto explica como, com a nova lei, ficou mais fácil mudar de nome diretamente no cartório, sem precisar ir ao judiciário ou justificar o motivo. A partir da história de uma mulher que nunca se sentiu representada pelo próprio nome, o artigo mostra como essa mudança representa um passo importante no respeito à identidade e à liberdade de cada pessoa.
Me chama de “Nanda”
Reinalda nunca gostou do próprio nome.
Nunca. Nem quando era pequena, nem quando cresceu.
Desde cedo, sentia que aquela palavra comprida, arrastada, não era dela. Tinha algo pesado em “Reinalda”, soava antigo, distante, como se tivesse sido emprestado de uma outra vida, uma outra época, pertencia a uma outra pessoa.
Foi ainda criança que ela começou a pedir:
— “Me chama de Nanda, por favor…”
Era o jeito que encontrou de se proteger. De suavizar o incômodo.
Mas nem todo mundo respeitava. Tinha quem insistisse:
— “Mas é o seu nome, ué. Reinalda!”
E lá vinha o desconforto, de novo. Nas chamadas da escola. Nos sistemas de cadastro. Nos crachás.
Reinalda era inimiga de si.
Estava lá, gravada em tinta preta no registro de nascimento.
Mas quem caminhava, quem sonhava, quem ardia por dentro… era outra.
Reinalda era peso. Era distância. Era o nome que os outros chamavam, mas que ela nunca atendeu de verdade.
Quem habitava aquele corpo era Nanda – e só ela sabia o quanto doía ouvir um nome que não era seu.
Nanda existia à margem do próprio nome, sufocada por um rótulo que nunca coube.
A cada chamada de lista, a cada assinatura forçada, a cada “Reinalda?” surgia uma angústia antiga.
Uma sensação de desencontro com o mundo – e consigo.
Ela não queria apagar o passado. Queria apenas escrever o presente com a própria letra.
Ela não queria provar nada a ninguém. Só ser chamada como se sente, Nanda.
E então vem a pergunta que talvez também seja sua:
Se o nome que te deram não te representa, será que você não tem o direito de escolher o seu?
Antes mudar de nome era pedir permissão para existir.
Durante anos, mudar de nome significava enfrentar um processo judicial. Advogado, justificativas, petições, prova de que aquele nome causava dor. Era como se fosse preciso implorar ao Estado o direito de ser você. E mesmo assim, muitos pedidos eram negados. O sistema dizia: “Seu desconforto não é suficiente.”
Em 2022, tudo mudou.
Com a Lei n.º 14.382/2022, o artigo 56 da Lei de Registros Públicos passou a permitir que qualquer pessoa maior de 18 anos possa alterar o prenome diretamente no cartório, sem precisar justificar o motivo e sem precisar de decisão judicial.
Reinalda mal acreditou.
Depois de anos se escondendo atrás de um apelido, poderia finalmente ser quem sempre foi.
Foi até o cartório.
Preencheu o formulário.
Escolheu com firmeza, Nanda.
Saiu de lá com um novo registro e uma sensação libertadora:
– “Agora meu nome me veste bem.”
Seu nome, sua história, sua escolha: Um Direito da Personalidade
O nome é um dos principais elementos que identificam uma pessoa na sociedade. Ele está presente nos documentos, nos vínculos familiares e nas relações jurídicas do dia a dia. Por isso, o nome é protegido como um direito da personalidade, ou seja, um direito ligado à própria existência da pessoa, ao modo como ela se apresenta e é reconhecida.
Desse modo, ter o nome respeitado, ou a possibilidade de alterá-lo quando dissociado da identidade pessoal, integra o exercício da autonomia privada e da autodeterminação individual. O que faz parte do que nós do direito chamamos de efetivação dos direitos da personalidade.
Antes da mudança na lei, só era possível alterar o nome sem justificativa ao completar 18 anos – e ainda assim, apenas dentro daquele ano. Se você perdesse esse prazo, o caminho seria outro: ingressar na Justiça, contratar um advogado, apresentar provas, esperar meses… e torcer para convencer o juiz.
A regra era clara: só podia mudar se houvesse um “motivo justo” – como nomes vexatórios, que causassem humilhação ou expusessem a pessoa ao ridículo.
Ou seja: você precisava sofrer para ter o direito de ser chamado como queria.
Mas isso mudou.
Conforme vimos, com a Lei Federal n.º 14.382/2022, agora qualquer pessoa maior de 18 anos pode pedir a mudança de nome diretamente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, sem precisar justificar o motivo, sem entrar com ação judicial e sem limite de tempo.
E mais, os pais também podem solicitar a alteração do nome do bebê, desde que o pedido seja feito até 15 dias após o registro.
O processo é simples, rápido e seguro.
Mas atenção: a mudança só pode ser feita uma única vez, então pense bem antes de decidir. O valor para mudança de nome no cartório pode variar conforme o Estado, mas geralmente fica entre R$ 100 e R$ 400.
No fim das contas, a moral da história é simples: O nome é seu – e agora, o direito de escolhê-lo também é.
Geovani Ramos Menezes1
- Geovani Menezes é Mestrando em Ciências Jurídicas e Bacharel em Direito pela Universidade Cesumar – UniCesumar (Campus Maringá/PR), sendo bolsista do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (PROSUP/CAPES). Pós-graduando em Direito Notarial e Registral pelo Centro Universitário Cidade Verde – UniCV (Maringá/PR). Pesquisador vinculado à CAPES, ICETI, CNPq e FA, desenvolve pesquisas em direito com enfoque nas áreas de direitos da personalidade, desjudicialização e acesso à justiça.
Geovani é o mais novo colunista do portal CidadeNoAr.com, autor da coluna Direito Notarial e Registral, na qual aborda temas relacionados aos cartórios, aos direitos da personalidade e à função cidadã do extrajudicial.
Contato: geovani_menezes@hotmail.com.br ↩︎
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