Por Gabriela Rodrigues Inthurn | Coordenadora do curso de Psicologia na UNIASSELVI Guaramirim (CRP 12/18138)
Os bebês reborn, bonecas hiper-realistas que simulam recém-nascidos, surgiram como objetos de arte, mas hoje ocupam um espaço ambíguo: são, simultaneamente, ferramentas terapêuticas para mulheres em processos de luto, infertilidade ou solidão e instrumentos de engajamento para influenciadores digitais que transformam a maternidade simbólica em espetáculo. Esse fenômeno reflete um diálogo complexo entre demandas íntimas e a lógica performática das redes sociais, expondo como a tecnologia e a cultura digital ressignificam símbolos tradicionais.
No campo terapêutico, podem ser usados como recurso na saúde mental. Mulheres que perderam filhos, enfrentam dificuldades para engravidar ou vivem a ausência da maternidade, assim como pacientes idosos com demência, por exemplo, encontram nesses bonecos um objeto de transição. Ao segurar, vestir ou cuidar da boneca, recriam rituais que ajudam a processar traumas, como explica a teoria do apego, o contato com um reborn ativa conexões emocionais, oferecendo alívio temporário e um espaço seguro para ressignificar a perda. Clínicas e grupos de apoio oferecem essa abordagem em contextos controlados, evidenciando seu potencial como coadjuvante em terapias.
Por outro lado, na Internet se transformaram em protagonistas de outro tipo de narrativa: a da viralização. Influenciadores exibem rotinas elaboradas com as bonecas — desde “partos” encenados até situações cotidianas —, gerando milhões de visualizações. Aqui, o objetivo não é a cura, mas o engajamento. A estética realista dos bonecos, somada à dramatização emocional, cria conteúdo cativante, capaz de atrair algoritmos e monetização. Essa apropriação, porém, não é isenta de críticas: ao banalizar temas sensíveis, como o luto perinatal, corre-se o risco de transformar dor em entretenimento, esvaziando seu significado original.
Os bonecos funcionam como espelhos de necessidades humanas universais: o desejo de cuidar, de pertencer e de ser visto. Para uns, eles preenchem lacunas afetivas; para outros, são ferramentas de validação social. A diferença está na intenção. Enquanto a terapia busca restabelecer um equilíbrio interno, as redes sociais operam segundo a lógica da economia da atenção, na qual os reborns se tornam “mercadoria”. Isso não significa, porém, que um uso invalide o outro. A psicologia compreende que a mesma ferramenta pode servir a propósitos distintos, dependendo do contexto e da subjetividade de quem a maneja.
Cabe, ainda, refletir sobre os limites éticos dessa dualidade. Se, por um lado, é legítimo usar os reborns como apoio emocional, por outro, a espetacularização de dramas íntimos pode reforçar a solidão de quem sofre, ao transformar sua experiência em espetáculo. Como sociedade, é preciso questionar até que ponto a busca por likes não corrompe a autenticidade das relações, ainda que mediadas por objetos.
Os bebês reborn são, portanto, metáforas de um tempo em que o real e o virtual se entrelaçam de forma inseparável. Nos lembram que a tecnologia não é neutra: amplifica tanto a cura quanto a vaidade, dependendo das mãos que a conduzem. Cabe a todos nós, discernir quando esses bonecos servem a um propósito específico ou quando são estratégias para atrair audiência.