Isaac Asimov inicia seu ensaio explicando o contexto: “Outro dia eu recebi uma carta. Estava escrita à mão em uma letra ruim, tornando a leitura muito difícil”. O remetente era um estudante de Literatura Inglesa que “sentia que precisava me ensinar ciência” após ler um ensaio onde Asimov expressara “certa felicidade em viver em um século em que finalmente entendemos o básico sobre o universo”.
O estudante criticou Asimov argumentando que “em todos os séculos as pessoas pensaram que finalmente haviam compreendido o universo, e em todos os séculos se provou que elas estavam erradas”, citando Sócrates: “se eu sou o homem o mais sábio, é porque só eu sei que nada sei”.
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Quero fazer parte!A resposta central de Asimov tornou-se famosa: “John, quando as pessoas pensavam que a Terra era plana, elas estavam erradas. Quando pensaram que a Terra era esférica, elas estavam erradas. Mas se você acha que pensar que a Terra é esférica é tão errado quanto pensar que a Terra é plana, então sua visão é mais errada do que as duas juntas”.
Asimov identifica o problema fundamental: “O problema básico é que as pessoas pensam que ‘certo’ e ‘errado’ são absolutos; que tudo que não é perfeitamente e completamente certo é totalmente e igualmente errado. Entretanto, eu penso que não é assim. Parece-me que certo e errado são conceitos nebulosos”.
Sobre a teoria da Terra plana, Asimov esclarece: “Não porque as pessoas eram estúpidas, ou porque queriam acreditar em coisas estúpidas. Achavam que era plana por evidências sólidas”. Ele explica que “a curvatura da terra é quase 0 (zero) por milha, de modo que embora a teoria da Terra plana esteja errada, está quase certa. É por isso que a teoria durou tanto tempo”.
Quando a humanidade descobriu que a Terra era esférica, “a curvatura é de 0,000126 milhas por milha todos os lugares”. Posteriormente, descobriu-se que era um esferoide oblata, com “a oblacidade da Terra (sua diferença em relação à esfericidade verdadeira) é 44/12755, ou 0,0034. Isto dá 1/3 de 1%”.
Asimov conclui sobre o progresso científico: “O que acontece na verdade é que uma vez os cientistas tomam um bom conceito, eles o refinam gradualmente e o estendem com sutileza crescente à medida que seus instrumentos de medida melhoram. As teorias não são tão erradas quanto incompletas”.
Sua mensagem final: “Em suma, meu amigo literado em inglês, viver em um mundo mental de certos e errados absolutos, pode significar imaginar que uma vez que todas as teorias são erradas, podemos pensar que a Terra seja esférica hoje, cúbica no século seguinte, um icosaedro oco no seguinte, e com formato de rosquinha no seguinte”.
Quando a Realidade se Torna Inconveniente
Primeiro, quando convém, você deve duvidar de tudo pois é tudo “construção por algum rótulo que eu não gosto” (pode ser patriarcado, família tradicional e por aí vai):
A sociedade contemporânea testemunha uma inversão peculiar do problema identificado por Asimov. Movimentos ideológicos atuais querem equiparar realidade biológica a construção social arbitrária. A distinção entre dois sexos biológicos — macho e fêmea, definida por gametas, cromossomos e anatomia reprodutiva — não é uma “teoria” passível de refutação por decretos linguísticos ou militância acadêmica, é uma teoria que passou por refinamentos durante séculos de anatomia, genética e embriologia (além do óbvio “é só olhar para ver”). Pretender que essa realidade seja tão “construída” quanto papéis sociais de gênero representa o mesmo erro epistemológico do estudante que escreveu a Asimov: confundir refinamentos (como variações hormonais – haja vista a redução drástica de testosterona nos homens) com a negação de categorias fundamentais. A curvatura da Terra não desaparece porque incomoda navegantes.
Segundo, quando convém, não duvidar jamais ou você pode ser um “negacionista”:
Newton construiu um edifício teórico extraordinário que permanece válido para a imensa maioria das aplicações práticas — da engenharia civil aos cálculos balísticos. Einstein não “provou Newton errado”; demonstrou que as equações newtonianas eram aproximações extremamente precisas de uma realidade mais fundamental, válidas quando velocidades são insignificantes comparadas à luz e campos gravitacionais são moderados. A relatividade incorpora Newton como caso limite, não o descarta. Este padrão exemplifica a ciência saudável: teorias robustas são refinadas, estendidas, delimitadas em seus domínios de validade — jamais simplesmente “canceladas” por modismos ou pressões externas. A base da ciência é precisamente questionar a si mesma, mas questionar exige evidências, experimentos etc.. Não se refuta séculos de física com manifestos acadêmicos ou “estudos” sociológicos que confundem desejos políticos com realidade empírica.
Por fim, o legado de Asimov nos convoca à clareza intelectual: reconhecer gradações de verdade sem capitular ao relativismo, aceitar limitações do conhecimento sem abraçar o ceticismo paralisante, e defender a realidade objetiva mesmo quando ela desafia nossos confortos ideológicos.
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