A Complexa Teia da Propriedade Condominial no Brasil: Análise Dogmática e Desafios Normativos à Luz do Provimento CNJ nº 169/2024

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Sobre a Autora: Bruna Sobczack. Bacharela em Direito, pós-graduanda em Direito Notarial, Registral, Negocial e Imobiliário, com especialização também em Planejamento e Restituição Tributária. Colunista do Portal Cidade no Ar, onde escreve sobre temas jurídicos e contábeis com uma abordagem clara e acessível. Atualmente cursa Ciências Contábeis, integrando conhecimentos das áreas jurídica e fiscal. Aprovada nos concursos para Procuradora dos Municípios de Guabiruba/SC e Brusque/SC, e em 1º lugar no concurso da CELESC. Também foi aprovada no concurso para Professora de Direito do Município de Bombinhas/SC. 📌 Acompanhe seus conteúdos em www.brunasobczack.com.br

Resumo: O presente artigo jurídico visa aprofundar a análise da propriedade condominial no ordenamento jurídico brasileiro, permeando sua evolução histórica, natureza jurídica multifacetada e os desafios interpretativos suscitados pela coexistência da Lei nº 4.591/64 e do Código Civil de 2002. Particular ênfase será conferida aos recentes impactos do Provimento nº 169/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no registro da incorporação imobiliária e da instituição do condomínio edilício, buscando oferecer uma perspectiva dogmática consistente e relevante para a comunidade jurídica.

Palavras-chave: Propriedade Condominial; Incorporação Imobiliária; Registro de Imóveis; Provimento CNJ nº 169/2024; Natureza Jurídica; Evolução Histórica.

1. Introdução: A Centralidade da Propriedade Condominial no Direito Imobiliário Brasileiro

A propriedade condominial, caracterizada pela simbiose entre o domínio privativo sobre unidades autônomas e a titularidade comum sobre as áreas de uso coletivo, configura um instituto jurídico de crescente protagonismo no cenário imobiliário nacional. Sua trajetória normativa, desde as remotas previsões nas Ordenações Filipinas até a densa disciplina estabelecida pelo Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/02) e pela ainda vigente Lei nº 4.591/64, reflete a contínua adaptação do direito à complexidade das relações sociais e econômicas inerentes à vida em edificações multifamiliares.

Nesse contexto dinâmico, o presente artigo se propõe a realizar uma análise aprofundada da propriedade condominial no Brasil, com o objetivo de elucidar os intrincados aspectos dogmáticos e os desafios interpretativos que permeiam o tema. Em especial, deter-se-á sobre as relevantes alterações normativas introduzidas pelo Provimento nº 169/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que impactam diretamente os procedimentos de registro da incorporação imobiliária e da instituição do condomínio edilício, atos registrais de importância capital para a segurança jurídica dos empreendimentos e para a consolidação dos direitos dos adquirentes.

2. Raízes Históricas e a Dualidade Normativa: Lei nº 4.591/64 e Código Civil de 2002

A gênese da propriedade condominial no Brasil remonta ao período colonial, encontrando seus primeiros delineamentos nas Ordenações Filipinas. Contudo, foi apenas no século XX que a matéria ganhou contornos jurídicos mais definidos, impulsionada pelo crescimento urbano e pela necessidade de regulamentação das edificações em planos horizontais. O Decreto nº 5.481/28 representou um marco inicial ao distinguir as partes comuns das exclusivas, pavimentando o caminho para a promulgação da Lei nº 4.591/64, diploma que inaugurou uma sistemática específica para o condomínio edilício e a incorporação imobiliária.

Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que dedicou um capítulo próprio ao condomínio edilício (artigos 1.331 a 1.358), instaurou-se um debate doutrinário acerca da revogação ou derrogação da legislação anterior. Conforme bem pontuado no material analisado, a orientação predominante, e que se coaduna com a hermenêutica jurídica, é a de que a Lei nº 4.591/64 permanece vigente em relação aos aspectos não expressamente tratados pelo Código Civil, como a disciplina da incorporação imobiliária e de certas modalidades condominiais atípicas, a exemplo do condomínio de lotes. Essa dualidade normativa exige do intérprete um exercício constante de harmonização e aplicação subsidiária das normas, a fim de conferir segurança jurídica às relações condominiais.

3. O Registro da Incorporação e da Instituição do Condomínio: As Inovações do Provimento CNJ nº 169/2024

O registro da incorporação imobiliária e da instituição do condomínio constituem etapas fundamentais para a regular constituição da propriedade condominial, conferindo publicidade e oponibilidade erga omnes aos direitos dela decorrentes. Nesse contexto, o Provimento nº 169/2024 do CNJ introduziu alterações significativas no Código Nacional de Normas, com o objetivo de esclarecer e uniformizar os procedimentos registrais relacionados a esses atos.

A inclusão do artigo 440-AN ao Código Nacional de Normas representa um esforço do CNJ em dissipar controvérsias interpretativas suscitadas pela redação do § 15 do artigo 32 da Lei nº 4.591/64, com a redação dada pela Lei nº 14.382/2022. Tal dispositivo estabeleceu que “o registro do memorial de incorporação da instituição de condomínio de suas frações ideais constitui ato registral único”. A interpretação literal poderia levar à conclusão de que o registro da instituição e especificação do condomínio propriamente dito seria dispensável.

Contudo, o Provimento nº 169/2024, em consonância com o entendimento consolidado pelo CNJ, reafirma que o registro único referente à incorporação e à instituição sobre frações ideais não se confunde com o registro da instituição e especificação do condomínio edilício. Essa distinção é crucial, pois o registro da instituição e especificação do condomínio é o ato que efetivamente individualiza as unidades autônomas, descreve as áreas comuns e estabelece o regramento jurídico do condomínio por meio da convenção.

Ademais, a Lei nº 14.382/2022 facultou a abertura de matrícula para a fração ideal correspondente a determinada unidade autônoma após o registro da incorporação, mas antes da instituição e especificação do condomínio. Essa possibilidade visa facilitar a alienação das unidades na planta, mas não exime a posterior realização do registro da instituição do condomínio para a plena constituição da propriedade condominial. A orientação do CNJ, conforme explicitado no material analisado, busca garantir a segurança jurídica e a clareza dos atos registrais, evitando interpretações equivocadas que poderiam comprometer os direitos dos adquirentes e a regularidade dos empreendimentos imobiliários.

4. A Natureza Jurídica Multifacetada do Condomínio Edilício: Do Direito Real à Personalidade Anômala

A natureza jurídica do condomínio edilício é um tema que suscita ricas discussões doutrinárias, com diversas correntes buscando enquadrá-lo em categorias jurídicas preexistentes. Embora minoritariamente, há quem o defenda como pessoa jurídica ou como uma universalidade de bens. Contudo, a doutrina majoritária e a jurisprudência dominante inclinam-se pela sua caracterização como uma espécie sui generis de direito real de propriedade, pautada na intrínseca ligação entre a propriedade exclusiva da unidade autônoma e a copropriedade das áreas comuns.

Essa concepção, defendida por renomados juristas como Caio Mário da Silva Pereira, realça a fusão complexa de domínios exercidos em caráter exclusivo e em regime de comunhão, conforme as limitações legais e convencionais. A indivisibilidade dessa relação orgânica impede a adoção de uma forma de exercício da propriedade sem a outra, reforçando a singularidade da natureza jurídica do condomínio edilício.

No plano processual, embora não possua personalidade jurídica para fins de direito material, o condomínio edilício é dotado de capacidade processual, podendo figurar ativa e passivamente em juízo na defesa dos seus interesses coletivos. Essa personalidade anômala confere ao condomínio a aptidão para gerenciar seus negócios econômicos, sociais e jurídicos, sem equipará-lo integralmente a uma pessoa jurídica de direito privado. Importante ressaltar, conforme mencionado no material de estudo, que essa natureza jurídica específica tem implicações práticas relevantes, como o afastamento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações entre o condomínio e seus condôminos, dada a ausência da figura de fornecedor típica das relações consumeristas.

5. Desafios Contemporâneos: Locação por Plataformas Digitais e Uso Exclusivo de Áreas Comuns

A dinâmica da propriedade condominial é constantemente tensionada por novas práticas sociais e interpretações jurisprudenciais. A questão da locação de unidades autônomas por meio de plataformas digitais para hospedagens de curta duração (inferior a 90 dias) ilustra um dos desafios contemporâneos que exigem a ponderação entre o direito de propriedade individual e os interesses da coletividade condominial.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem se firmado no sentido de que, havendo previsão expressa na convenção condominial de destinação exclusivamente residencial do edifício, a exploração econômica das unidades para hospedagens de curta duração, caracterizada pela alta rotatividade e transitoriedade, não se compatibiliza com essa destinação. Tal entendimento visa preservar o sossego, a salubridade e a segurança dos demais condôminos, que legitimamente esperam um ambiente residencial com estabilidade e menor fluxo de pessoas estranhas.

Outro ponto relevante reside na utilização exclusiva de áreas comuns por condôminos ao longo de extenso período, muitas vezes com a anuência tácita ou expressa do condomínio. Em casos tais, a jurisprudência do STJ tem aplicado o princípio da boa-fé objetiva, notadamente em suas vertentes da supressio (perda do direito de exercer determinada faculdade jurídica pelo seu não exercício prolongado) e da surrectio (surgimento de um direito em favor de alguém em decorrência de uma prática reiterada), para preservar situações fáticas consolidadas pelo tempo. A manutenção de um uso exclusivo de área comum por mais de 30 anos, com autorização assemblear e realização de benfeitorias, exemplifica a aplicação desse princípio, em detrimento da pretensão de retomada pelo condomínio, em respeito à legítima expectativa dos condôminos.

6. Conclusão: A Busca Contínua por Segurança Jurídica na Propriedade Condominial

A propriedade condominial no Brasil configura um instituto jurídico complexo e dinâmico, marcado por uma rica evolução histórica, uma natureza jurídica peculiar e a constante necessidade de adaptação às novas realidades sociais e econômicas. A coexistência da Lei nº 4.591/64 e do Código Civil de 2002 exige dos operadores do direito um esforço contínuo de interpretação e harmonização, a fim de conferir segurança jurídica às relações condominiais.

As recentes alterações normativas, como as introduzidas pelo Provimento nº 169/2024 do CNJ, demonstram a preocupação do legislador e dos órgãos reguladores em aprimorar os procedimentos registrais e dissipar controvérsias interpretativas, especialmente no que concerne ao registro da incorporação imobiliária e da instituição do condomínio edilício. A correta compreensão da natureza jurídica do condomínio, dos requisitos e procedimentos registrais, bem como das orientações jurisprudenciais consolidadas, revela-se essencial para a atuação dos profissionais do direito e para a garantia da estabilidade e da previsibilidade nas intrincadas relações imobiliárias condominiais no Brasil.

Referências

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 1º jan. 1974.

BRASIL. Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022. Altera as Leis nºs 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), 6.766, de 19 de dezembro de 1979 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano), 8.935, de 18 de novembro de 1994 (Lei dos Cartórios), 11.977, de 7 de julho de 2009 (Programa Minha Casa, Minha Vida), e 13.465, de 11 de julho de 2017, para aperfeiçoar as normas relativas aos registros públicos, ao cadastro territorial multifinalitário e às incorporações imobiliárias; dispõe sobre a identificação civil nacional; altera a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil); e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 28 jun. 2022.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Provimento nº 169, de 05 de fevereiro de 2024. Altera o Provimento nº 88, de 1º de outubro de 2019, que institui o Código Nacional de Normas do Serviço Extrajudicial da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – CNN/CNJ. Brasília, DF, 2024. Disponível em: https://www.cnj.jus.br. Acesso em: 17 abr. 2025.

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