
Após décadas de debates, o Brasil deu um passo monumental com a aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que visa reformar o complexo sistema tributário do país. A promessa é de simplificação, crescimento econômico e maior competitividade global. No entanto, enquanto a regulamentação avança, especialistas e setores da economia levantam críticas e preocupações, questionando se o novo modelo realmente entregará os benefícios esperados.
A Era da Complexidade: De 37 Normas Diárias à Guerra Fiscal
O sistema tributário pré-reforma é um emaranhado de regras que dificultam o empreendedorismo e a competitividade. Desde a Constituição de 1988, foram criadas mais de 460 mil normas tributárias, o que equivale a cerca de 37 por dia útil. Impostos como o ICMS, com 27 legislações estaduais, e o ISS, com mais de 5.500 leis municipais, geram um custo burocrático altíssimo e distorções na economia.1
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Quero fazer parte!Essa complexidade também alimenta a chamada “guerra fiscal”, uma disputa acirrada entre estados que oferecem benefícios e isenções para atrair empresas. O problema é que, ao abrir mão da receita no local de produção, o estado de origem perde arrecadação e, muitas vezes, o estado de consumo também, criando uma situação em que todos saem perdendo. A reforma, ao mudar a tributação do local de produção para o local de consumo, busca eliminar a raiz desse problema.
A Grande Aposta: O Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) Dual
A principal aposta da reforma é substituir cinco tributos sobre o consumo (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por um modelo de Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) Dual. Ele será composto por dois novos tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), compartilhado entre estados e municípios. A ideia é que o novo sistema seja mais transparente, com alíquota única e não-cumulatividade plena, permitindo que as empresas deduzam o imposto pago em etapas anteriores da cadeia de produção, o que hoje é um problema grave no sistema atual.
O novo sistema também prevê a criação do Imposto Seletivo (IS), apelidado de “imposto do pecado”, que incidirá sobre bens e serviços que se deseja desestimular, como cigarros e bebidas, com uma finalidade extrafiscal.
Os Desafios da Regulamentação e as Fissuras no Novo Modelo
Embora a reforma tenha sido aprovada, o grande desafio está em sua regulamentação, que será definida por projetos de lei complementares. E é neste ponto que as críticas se aprofundam.
Um dos primeiros ruídos surgiu com a extensão e a complexidade do Projeto de Lei Complementar (PLP), que, com 499 artigos e 360 páginas, já é maior que o próprio Código Tributário Nacional, contrariando o princípio de simplicidade do IVA. Outra preocupação central é a alíquota final do IVA. A projeção do governo de 26,5% é contestada por especialistas, que preveem que ela pode chegar a 33% ou mais para compensar o grande número de exceções, isenções e regimes diferenciados concedidos a setores como o agronegócio.5
O setor de serviços, em particular, teme ser o maior prejudicado. Cálculos de entidades como a FecomercioSP indicam que a carga tributária sobre o setor pode aumentar em até 96%, pois sua principal despesa, a folha de pagamento, não gera crédito tributário no novo modelo. Esse aumento, se repassado ao consumidor, pode levar à redução da demanda e perda de competitividade.
As controvérsias não param por aí. A aplicação do Imposto Seletivo tem sido criticada por excluir itens como armas de fogo, enquanto tributa a extração de bens minerais e petróleo, gerando um debate sobre a coerência da sua função extrafiscal. A transição, que pode durar até 50 anos para a repartição das receitas entre os entes federados, também é um ponto de preocupação, levantando incertezas e instabilidade para as empresas no longo prazo.
O Comitê Gestor e o Equilíbrio Federativo
Para gerir o novo sistema, será criado o Comitê Gestor do IBS, uma entidade que centralizará a arrecadação, a compensação de créditos e a distribuição da receita para estados e municípios. A ideia é garantir a uniformidade da legislação e acabar com os conflitos. No entanto, sua criação suscita o debate sobre a potencial perda de autonomia fiscal dos entes federados, já que o Comitê terá controle sobre as regras operacionais.
Conclusão: Uma Jornada Longe do Fim
A reforma tributária é, sem dúvida, um dos movimentos mais ambiciosos da economia brasileira nas últimas décadas. A promessa de um sistema mais simples, com maior segurança jurídica e capacidade de atrair investimentos, é inegável. Estudos apontam para um crescimento adicional do PIB de 12% a 20% em 15 anos, caso a reforma seja bem-sucedida.
No entanto, a regulamentação em curso revela que a batalha por um sistema mais justo e eficiente está longe do fim. A resposta para a pergunta se a reforma realmente cumprirá seus objetivos dependerá da capacidade do Congresso de resolver as fissuras apontadas por especialistas, garantindo que a simplificação não se transforme em uma nova camada de complexidade e que a carga tributária seja distribuída de forma equitativa, sem prejudicar setores-chave da economia. O sucesso da reforma será medido não apenas na teoria, mas na prática, no dia a dia das empresas e na mesa do consumidor.
escrito por Bruna Sobczack – Especialista em Direito Tributário, atua com Planejamento e Recuperação Tributária para negócios e patrimônio. Como articulista, traduz temas complexos do direito em análises claras e estratégicas para o leitor.
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