“Conhece-te a ti mesmo”, “Só sei que nada sei” e as Três Peneiras da sabedoria (Verdade, Bondade e Utilidade) — formavam a base de um pensamento que buscava não apenas conhecimento, mas sabedoria verdadeira. Conceitos simples, diretos, devastadores na sua honestidade. Nos últimos anos, assistimos a ascensão de uma geração que acredita piamente que o mundo começou quando a internet foi inventada. Para esses novos “sábios” digitais, tudo que veio antes é irrelevante e ultrapassado. O problema não é apenas que essa geração é inculta — o problema é que ela é inculta e se acha iluminada.
“Conhece-te a ti mesmo” era o mandamento inscrito no templo de Delfos que Sócrates transformou em método filosófico. O autoconhecimento era o reconhecimento brutal de que você precisa entender suas próprias limitações, seus preconceitos, suas ignorâncias antes de ter qualquer esperança de compreender o mundo. A geração digital não se conhece; ela se performa. Cria avatares cuidadosamente editados que representam não quem são, mas quem gostariam que os outros achassem que são. O resultado? Uma epidemia de ansiedade e depressão porque ninguém consegue sustentar indefinidamente a farsa de ser algo que não é. Sócrates gastava horas em diálogo genuíno tentando arrancar das pessoas suas verdades mais profundas. Hoje, gastamos horas scrollando feeds infinitos fugindo desesperadamente de qualquer confronto real conosco mesmos.
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Quero fazer parte!“Só sei que nada sei” era a declaração de humildade intelectual que tornava Sócrates, paradoxalmente, o mais sábio dos homens segundo o Oráculo de Delfos. Ao reconhecer sua ignorância, ele se colocava num estado permanente de busca, de questionamento, de abertura para aprender. Compare isso com a arrogância epistêmica da geração digital: qualquer idiota com acesso ao Google acredita que pode debater qualquer assunto complexo porque aprendeu, pasmem, na Wikipédia ou na Globo ou na Netflix. A democratização da informação, que deveria nos tornar mais sábios, nos tornou mais arrogantes. Todo mundo tem opinião formada sobre tudo — economia, epidemiologia, geopolítica, filosofia — baseada em absolutamente nada palpável e fingir que sabe virou pré-requisito para ser levado a sério.
As Três Peneiras de Sócrates eram filtros para avaliar se vale a pena compartilhar informação. Antes de falar sobre alguém ou algo, ele perguntava: É verdade? É bom? É útil? Se a resposta para qualquer uma dessas perguntas fosse não, então era melhor ficar calado. Esse critério simples funcionava como antídoto contra fofoca, difamação e disseminação de mentiras. Imagine aplicar essas três peneiras às redes sociais contemporâneas?
“Minha verdade” virou desculpa para não ter que justificar racionalmente coisa alguma. “É a minha vivência” virou escudo contra qualquer questionamento lógico. Sócrates dedicou a vida a destruir esse tipo de pensamento preguiçoso, mostrando que opinião não é conhecimento e que sentimento não substitui argumento.
A utilidade socrática perguntava se compartilhar determinada informação melhoraria algo, resolveria algum problema real, ajudaria alguém concretamente. Hoje, compartilhamos compulsivamente conteúdo completamente inútil — memes vazios, indignações performáticas que não muda absolutamente nada no mundo real. Postamos sobre causas sociais para nos sentirmos moralmente superiores sem jamais fazer nada concreto para resolver os problemas que fingimos nos importar.
O que torna tudo isso ainda mais deplorável é a arrogância com que essa geração digital trata qualquer conhecimento pré-internet como obsoleto. Acreditam que não precisam estudar história porque “as coisas mudaram”. Acreditam que não precisam ler os clássicos porque “estão desatualizados”. Essa é a geração que confunde informação com sabedoria, que pensa que ter acesso a todo conhecimento humano via smartphone os torna sábios quando na verdade os tornou apenas mais eficientemente estúpidos.
O problema não é que a tecnologia digital é ruim — é que ela amplificou nossa capacidade de ser estúpidos em escala industrial e são ferramentas que deveriam nos tornar mais sábios. Sócrates diria que a geração mais conectada da história é também a mais alienada de si mesma. A geração com mais acesso ao conhecimento é a mais ignorante de sua própria ignorância. A geração com mais ferramentas de comunicação é a mais incapaz de diálogo genuíno. E ele estaria absolutamente certo.
A tragédia não é que esquecemos Sócrates — e aqui Sócrates é, novamente, um mártir, um mártir em nome de todos os grandes pensadores, de todos os gênios. Até a palavra gênio hoje em dia é preciso comentar, pois me refiro a gênios de verdade. Afinal, se você chamar hoje o mais novo “influencer das bets” de gênio como se qualificarão Sócrates, Platão, Aristóteles e tantos outros?
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