A comunidade judaica no Brasil é bastante expressiva. Milhares de judeus vivem no país e não é raro participarmos de suas tradições ou mesmo tomarmos conhecimento delas. A prática da circuncisão de meninos no oitavo dia de vida é uma delas.
Uma cerimônia repleta de significados que o rabino e Mohel Micha Gamerman ajuda a explicar, visto que é um profissional da circuncisão bastante requisitado em meio ao seu povo, para o cumprimento do costume. “O Mohel estudou não somente para fazer o ato cirúrgico da remoção do prepúcio do recém-nascido, mas, também, as leis necessárias para se fazer da forma correta. Assim, Deus está cavando o pacto do Brit milá na pele do ser humano, entre Ele e seus filhos”.
Mas por qual razão a prática se dá ao oitavo dia? Segundo Micha Gamerman, sabedoria divina incontestável. “Embora não haja uma explicação na Torá (Bíblia) para o ato ser feito ao oitavo dia, como a cicatrização do bebê já está mais desenvolvida a partir desse período, faz-se da Palavra de Deus algo perfeito e eterno para todas as gerações. Quando a situação de saúde do bebê não permite, a gente adia o Brit milá”.
É durante a cerimônia que o menino recebe seu nome. Com as meninas acontecem diferente. “Quando ela chega ao seu primeiro Shabat ou a primeira vez que tem a leitura da Torá (Bíblia), o pai dá o nome dela, oficializando, assim, seu nome judaico”.
Nome dado, no judaísmo, ao dia de descanso semanal (correspondente ao sábado), simbolizando o sétimo dia da Criação, em que Deus descansou. Segundo Micha Gamerman, o Shabat é mais um pacto com seu povo. “Como nós, judeus, não sabemos precisar exatamente quando começa a noite, porque pela religião judaica o dia começa ao anoitecer, então, recebemos o Shabat um pouco antes do pôr do sol e terminamos com a saída das estrelas, o que dá mais ou menos 25 horas de descanso”.
E nesse descanso, o que os judeus fazem? “A gente se isola de tudo que é trabalho, ou seja, se desconecta, mas não porque vamos nos privar de ganhar dinheiro, mas ao cumprir a vontade do Criador, vamos prosperar. Nesse dia, então, Deus não quer que façamos os trabalhos que fazíamos nos santuários. Neles, havia a criação do fogo, então não podemos fazer fogo. E o que isso inclui? Nada de eletricidade. Logo, não acendemos luz, não ligamos ar-condicionado, subimos e descemos de escadas... É um dia dedicado à família e ao sagrado, ou seja, aos estudos e rezas, que são mais compridas que em dias de semana”.
Os judeus também preparam a casa para o Shabat. “Parte do preceito de respeitar o descanso é o respeito a tudo que há em volta dele: limpar a casa, preparar a cama, vestir roupas mais sofisticadas e bonitas como se fôssemos a uma festa e recebêssemos a rainha. Pois Shabat também é chamado de rainha”.
Micha Gamerman lembra que seu povo tem tamanho respeito pela vida e pelos que morrem. “Entendemos que o corpo humano foi um utensílio para a alma. E quando ela se desprende do corpo, volta para seu Criador e deixa aquele utensílio que a carregou. Então o corpo se torna algo sagrado e, portanto, tem que ser respeitado. A gente limpa e cuida dele com todo respeito do mundo. Fazemos uma cerimônia do enterro, com textos sagrados pedindo para que a alma se eleve”.
O rabino ressalta que jamais deixam de engrandecer o nome de Deus. “Louvamos a Ele, pois entendemos que tudo que Ele faz é para o bem. E pedimos para a elevação da alma do falecido. Assim tratamos os que partem, com o máximo respeito. E esse é um motivo pelo qual não podemos queimar o corpo, que é sagrado”.
A maioridade judaica é alcançada cedo, segundo Micha Gamerman, mas tem um significado distinto para o povo judeu. “Diferente do que o mundo laico entende quando se atinge essa idade, quando o ser humano é livre para poder beber, frequentar locais liberados para a faixa etária, na religião judaica o menino se torna responsável pelas suas atitudes a partir dos 13 anos, e a menina, aos 12, de modo que todas as leis judaicas recaem sobre eles com todo rigor: eles jejuam e têm que cumprir os preceitos que cabem aos homens e às mulheres”.
Receber bem as visitas é um preceito da Torá, lembra o rabino. “A gente costuma recebê-las à porta e as acompanhamos também na saída, até dois metros depois que deixaram nossos lares. Costumamos fazer com que se sintam bem, como se estivessem nas próprias casas. Esse preceito começou em Abraão e até hoje é muito comum os judeus se convidarem, nos sábados e feriados judaicos. Faz parte da nossa comunidade, de ser o que somos: o povo judeu”.
Esses são apenas alguns dos costumes tradicionais ao povo judeu, que, segundo Micha Gamerman, são mais fáceis de serem cumpridos em regiões onde a comunidade tem maior representatividade, como Israel e Estados Unidos. “Porque você está envolto por sinagogas, escolas, centros de estudos. Longe desse aparato, fica mais complicado. Então, é natural que os judeus mais religiosos procurem comunidades, ou seja, para ficarem mais próximos, fortificando uns aos outros, e, assim, poderem cumprir os preceitos judaicos”.