A Lei da Violência Psicológica no Brasil: Avanços, Desafios e o Caminho para a Proteção Integral da Mulher

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I. Introdução: A Evolução da Proteção Legal contra a Violência Psicológica no Brasil

A violência contra a mulher, em suas múltiplas manifestações, representa uma das mais graves violações de direitos humanos, com impactos profundos e duradouros na vida das vítimas. No Brasil, o enfrentamento a essa realidade tem sido marcado por uma evolução legislativa significativa, que busca reconhecer e punir as diversas formas de agressão. Historicamente, a proteção legal era limitada, com o Código Penal prevendo apenas circunstâncias agravantes genéricas para crimes praticados contra familiares e a inclusão de estupro como crime hediondo em 1994. Contudo, não existiam previsões legais específicas para situações de insulto ou depreciação que, embora não deixassem vestígios físicos, causavam lesão emocional às vítimas.

O cenário começou a mudar drasticamente com a promulgação da Lei nº 11.340/2006, amplamente conhecida como Lei Maria da Penha (LMP). Este diploma legal, sancionado em 7 de agosto de 2006, constituiu um marco fundamental na luta contra a violência de gênero no Brasil, sendo reconhecido internacionalmente como uma legislação de referência. A Lei Maria da Penha foi pioneira ao definir e categorizar diversas formas de violência, incluindo a violência psicológica, também denominada “agressão emocional”, em seu Art. 7º, inciso II. Além de tipificar a violência, a LMP estabeleceu um sistema de proteção integral, com a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e a implementação de atendimentos especializados por equipes multidisciplinares, visando a prevenção, assistência e proteção das mulheres em situação de violência.

Um avanço crucial ocorreu com a sanção da Lei nº 14.188/2021, em 29 de julho de 2021. Esta legislação elevou a violência psicológica contra a mulher à categoria de crime específico no Código Penal, por meio do Art. 147-B. A pena para este delito é de reclusão de seis meses a dois anos e multa. A Lei 14.188/2021 também alterou o Art. 12-C da Lei Maria da Penha, permitindo que medidas protetivas de urgência fossem solicitadas com base no risco à integridade psicológica da mulher, uma prerrogativa que antes se limitava a situações de risco físico.

A evolução do arcabouço legal, que transita do reconhecimento para a criminalização, demonstra uma elevação na gravidade jurídica atribuída à violência psicológica. A Lei Maria da Penha foi revolucionária ao definir a violência psicológica, formalmente reconhecendo-a como uma forma de abuso e transformando-a de uma questão social não abordada em um problema legalmente reconhecido. Este foi um primeiro passo crítico. No entanto, a LMP não criminalizou especificamente esse ato como uma ofensa autônoma. A Lei 14.188/2021 preencheu essa lacuna ao criminalizar explicitamente a violência psicológica. Essa progressão legislativa reflete uma mudança profunda na abordagem do sistema jurídico: de meramente categorizar um comportamento prejudicial para impor ativamente consequências penais. A criminalização eleva a percepção da gravidade da violência psicológica dentro do quadro legal, o que pode levar a uma aplicação mais rigorosa e a um maior efeito dissuasório. Isso indica uma compreensão social mais profunda de que a “dor psicológica” e o “trauma” causados por esse abuso podem ser tão devastadores, ou até mais, do que o dano físico, exigindo medidas punitivas diretas.

Este artigo tem como objetivo analisar o arcabouço legal da violência psicológica no Brasil, explorando suas definições, a evolução legislativa, os desafios na aplicação e efetividade da lei, o cenário atual com dados estatísticos e os canais de denúncia e atendimento disponíveis, buscando oferecer uma visão abrangente e crítica sobre o tema.

II. Definição e Caracterização da Violência Psicológica no Contexto Legal Brasileiro

A violência psicológica, embora muitas vezes invisível, é uma das formas mais destrutivas de abuso, minando a saúde mental e a autonomia das vítimas. O ordenamento jurídico brasileiro tem se esforçado para conceituar e abranger essa complexa modalidade de violência, buscando oferecer ferramentas para seu combate.

Conceituação Legal e Abrangência

A Lei 14.188/2021, em harmonia com o Art. 7º, II, da Lei Maria da Penha, define a violência psicológica contra a mulher como “o ato de causar dano emocional que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões”. Essa definição legal é fundamental para orientar a atuação do sistema de justiça, fornecendo um parâmetro claro para a identificação e a responsabilização dos agressores.

Formas de Manifestação e Exemplos Práticos

A violência psicológica pode se manifestar de maneiras diversas e, muitas vezes, sutis, dificultando sua percepção imediata tanto pela vítima quanto por terceiros. As condutas incluem ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro método que vise controlar a vítima.

Magistrados e especialistas frequentemente citam exemplos práticos que ilustram a gravidade dessas agressões. Um caso emblemático é o relato de uma mulher cujo companheiro dormia com um revólver sob o travesseiro durante discussões, gerando pânico e um profundo trauma psicológico. Outros exemplos comuns incluem parceiros que ridicularizam o corpo ou a forma de vestir da mulher, resultando em baixa autoestima e, em alguns casos, depressão. Sinais de alerta adicionais englobam o controle excessivo das ações da parceira, como tarefas domésticas, despesas financeiras e relações sociais, que visam o isolamento e a submissão. A presidente do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Marcela Ortiz, descreve exemplos onde o agressor constantemente desvaloriza a mulher, afirmando que ela “não serve para nada” ou que “ninguém mais vai querer”, minando progressivamente o amor-próprio da vítima e a prendendo no ciclo da violência.

Impacto Profundo na Saúde Mental e Autonomia das Vítimas

A violência psicológica é reconhecida como uma das formas mais sutis, mas devastadoras, de violência contra a mulher, com efeitos profundos na autoestima, saúde mental e liberdade emocional das vítimas. Mulheres que sofrem essa violência frequentemente desenvolvem ansiedade, depressão, estresse crônico, distúrbios alimentares, insônia, isolamento social e baixa produtividade. Em casos graves, pode levar a pensamentos suicidas. O agressor utiliza estratégias manipulativas e de controle para limitar gradualmente a autonomia da mulher e distorcer sua percepção da realidade, criando um ambiente tóxico que a aprisiona. As vítimas podem experimentar hipervigilância, dor, angústia, incapacidade de tomar decisões, perda de concentração e memória, resultando em prejuízos significativos à sua saúde psicológica e à sua liberdade de autodeterminação.

A invisibilidade e o caráter progressivo da violência psicológica representam um desafio intrínseco à sua detecção e à proteção das vítimas. Múltiplas fontes indicam que a violência psicológica é “sutil” e “não deixa marcas físicas visíveis”. Essa característica inerente torna-a difícil de ser reconhecida, tanto pela própria vítima, que muitas vezes leva tempo para se perceber em uma situação de abuso, quanto por terceiros e pelo sistema legal. O abuso se instala lentamente, minando gradualmente o amor-próprio da mulher. A natureza insidiosa dessa violência, que se acumula ao longo do tempo através de ameaças, humilhações, manipulações, chantagens, isolamento e ridicularizações, dificulta não apenas o reconhecimento pela vítima, mas também a identificação e a comprovação pelo sistema jurídico. Esse caráter progressivo e frequentemente velado significa que, no momento em que o abuso é reconhecido e denunciado, o dano emocional e psicológico já é profundo, afetando a saúde mental, a capacidade de tomada de decisão e o bem-estar geral da vítima. Esse impacto arraigado ressalta a importância da intervenção legal, mas também os obstáculos probatórios únicos que ela enfrenta.

A Tabela 1 a seguir resume as condutas caracterizadoras da violência psicológica e seus impactos, oferecendo uma visão clara e prática para a compreensão desse fenômeno.

Tabela 1: Exemplos de Condutas Caracterizadoras da Violência Psicológica e Seus Impactos

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III. O Arcabouço Legal: Lei Maria da Penha e a Criminalização pela Lei 14.188/2021

A proteção legal contra a violência psicológica no Brasil é construída sobre dois pilares fundamentais: a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e a Lei nº 14.188/2021, que se complementam e fortalecem o sistema de justiça.

Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006): A Base da Proteção

A Lei Maria da Penha (LMP) é a legislação basilar para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Sua importância reside não apenas no reconhecimento da violência psicológica como uma das formas de violência (Art. 7º, II) , mas também no estabelecimento de um sistema de proteção integral. A LMP instituiu os Juizados de Violência Doméstica e Familiar e promoveu a implementação de atendimentos especializados por equipes multidisciplinares. Além disso, a lei prevê as medidas protetivas de urgência, ferramentas cruciais para coibir a violência e proteger a vítima.

Lei nº 14.188/2021: A Criminalização e a Ampliação da Proteção

A Lei 14.188/2021, sancionada em 28 de julho de 2021, representou um avanço significativo ao incluir no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 1940) o crime de violência psicológica contra a mulher (Art. 147-B). A pena estabelecida para este delito é de reclusão de seis meses a dois anos e multa, desde que a conduta não constitua crime mais grave.

Uma das alterações mais relevantes trazidas pela Lei 14.188/2021 foi a modificação do Art. 12-C da Lei Maria da Penha. Essa mudança passou a prever a possibilidade de o risco atual ou iminente à integridade psicológica justificar o deferimento de medida protetiva de urgência. Isso significa que juízes, delegados e policiais agora têm a prerrogativa de afastar imediatamente o agressor do local de convivência com base no risco à integridade psicológica da mulher, algo que, antes dessa lei, só era permitido em casos de risco à integridade física da vítima.

Adicionalmente, a Lei 14.188/2021 criou o programa “Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica e Familiar”. Este programa inovador permite que uma mulher sinalize discretamente uma situação de violência doméstica exibindo a letra “X” escrita na mão, preferencialmente em vermelho. Em escritórios públicos e estabelecimentos comerciais privados participantes, a vítima deve ser encaminhada para assistência especializada. A lei também exige a realização de uma ampla campanha de conscientização pública para informar a população sobre o significado do código “Sinal Vermelho”.

Desenvolvimentos Recentes: Aumento da Pena para Violência Psicológica com Uso de IA

Em 2024, o compromisso do governo federal no enfrentamento às diversas violências contra mulheres e meninas foi reforçado com a sanção de uma lei que aumenta a pena para o crime de violência psicológica contra a mulher, caso o delito seja cometido com uso de Inteligência Artificial (IA) ou qualquer outro recurso tecnológico que altere a imagem ou som da vítima. Essa medida, originada do Projeto de Lei 370/2024, visa adaptar a legislação aos novos desafios do ambiente digital e combater a misoginia online, que tem apresentado dados alarmantes de aumento de fakes pornográficas e de violência, com mulheres sendo a maioria das vítimas.

A relação entre a Lei Maria da Penha e a Lei 14.188/2021 não é de mera sucessão, mas sim de reforço estratégico e especialização. A Lei Maria da Penha estabeleceu a estrutura fundamental para o reconhecimento de várias formas de violência e a oferta de medidas protetivas. A Lei 14.188/2021, por sua vez, construiu sobre essa base ao criminalizar especificamente a violência psicológica e expandir as ordens de proteção para incluir a integridade psicológica. Essa evolução demonstra um processo legislativo dinâmico que identifica lacunas existentes (como a violência psicológica não ser um crime específico) e se adapta a compreensões em constante mudança sobre o dano. A adição de penas aumentadas para a violência psicológica impulsionada por IA exemplifica essa capacidade adaptativa, mostrando a responsividade do sistema legal a formas emergentes de abuso no ambiente digital. Essa evolução contínua é essencial para garantir uma proteção abrangente e atualizada para as mulheres.

A Tabela 2 a seguir apresenta um comparativo entre a Lei Maria da Penha e a Lei 14.188/2021, destacando suas contribuições distintas e complementares para o combate à violência contra a mulher no Brasil.

Tabela 2: Comparativo das Leis de Combate à Violência contra a Mulher no Brasil

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IV. Desafios na Aplicação e Efetividade da Legislação

Apesar dos significativos avanços legislativos, a aplicação e a efetividade das leis de combate à violência psicológica no Brasil enfrentam desafios complexos, inerentes à natureza desse tipo de abuso e às lacunas no sistema de proteção.

Natureza Subjetiva e Dificuldade Probatória

A violência psicológica, por sua natureza sutil e por não deixar marcas físicas visíveis, apresenta um desafio considerável na coleta de provas e na sua objetivação para o sistema judicial. O dano emocional, embora devastador e com consequências profundas para a vítima, é complexo de ser mensurado e comprovado em um processo judicial. A ausência de vestígios físicos contrasta com a tradição do direito penal, que muitas vezes se baseia em evidências tangíveis, tornando a prova da violência psicológica um dos maiores obstáculos para a condenação dos agressores.

Necessidade Urgente de Treinamento Profissional

Um dos maiores desafios identificados é a lacuna na formação de profissionais do sistema de justiça. Policiais, promotores, juízes e outros operadores do direito frequentemente carecem de treinamento específico para identificar, abordar e avaliar adequadamente o impacto da violência psicológica. Há uma escassez de profissionais qualificados para lidar com a subjetividade dessas agressões, o que dificulta a efetiva implementação da lei. É crucial que esses profissionais recebam capacitação contínua em técnicas de abordagem, escuta ativa e uso de ferramentas para identificar os sinais sutis do abuso emocional, garantindo uma resposta mais eficaz e sensível aos casos.

Insuficiência de Políticas Públicas Integradas e Abrangentes

A criminalização da violência psicológica, embora um marco legislativo relevante, não pode ser encarada como uma medida resolutiva isolada. A efetividade da lei depende de uma abordagem muito mais abrangente, que inclua a instrumentalização de outras políticas públicas efetivas para a real valorização da mulher em todos os âmbitos. Isso abrange desde a prevenção primária, com campanhas de conscientização e educação, até o apoio psicossocial, jurídico e a reinserção social das vítimas. A falta de uma rede de apoio integrada e robusta pode comprometer a capacidade das vítimas de romper o ciclo de violência e acessar a justiça.

Conscientização e Autopercepção da Vítima

Muitas mulheres demoram a se perceber como vítimas de violência psicológica, e a identificação desses abusos, sobretudo os mais sutis, passa pelo autoconhecimento e pela capacidade de impor limites. Uma pesquisa do Senado em 2024 revelou que 75% das brasileiras afirmam conhecer pouco ou nada sobre a Lei Maria da Penha, mesmo após 17 anos de sua criação. Essa baixa conscientização não apenas dificulta a autopercepção da vítima, mas também a denúncia e a busca por ajuda, perpetuando o ciclo de abuso.

Questões de Aplicabilidade e Eficácia do Art. 147-B

Estudos e artigos jurídicos questionam a eficácia e aplicabilidade do Art. 147-B do Código Penal. Alguns levantamentos sugerem que o artigo poderia ser um “tipo penal autofágico” por não incluir a violência psicológica como uma modalidade de lesão corporal. Essa lacuna, argumenta-se, poderia afetar a proteção das vítimas e a aplicabilidade da lei, sugerindo que a inclusão da violência psicológica como lesão corporal seria importante para uma compreensão abrangente dos danos à integridade humana e para garantir uma proteção legal mais eficaz.

Os desafios detalhados, como a subjetividade, a dificuldade de prova, a falta de treinamento e a baixa conscientização, revelam coletivamente uma lacuna significativa entre o progressivo arcabouço legal estabelecido pela Lei 14.188/2021 e sua implementação prática. A questão central é que o sistema legal, tradicionalmente concebido para evidências tangíveis, tem dificuldade em processar eficazmente uma ofensa que é inerentemente “invisível” e não deixa marcas físicas. Isso cria uma “lacuna probatória” que pode levar à sub-prosecução ou até mesmo à revitimização dentro do processo judicial. Além disso, a falta de treinamento especializado para profissionais do direito significa que, mesmo quando as vítimas corajosamente se apresentam, o sistema pode não estar adequadamente equipado para lidar com seus casos com a sensibilidade e a expertise necessárias. Agravando isso, a baixa conscientização pública atua como uma barreira fundamental, impedindo que as vítimas reconheçam seu abuso e acessem as proteções legais disponíveis. Essa complexa interação de fatores sugere que a reforma legislativa, embora um primeiro passo vital, é insuficiente por si só; a verdadeira eficácia exige uma infraestrutura social e institucional robusta, bem treinada e integrada, capaz de traduzir definições legais em justiça acionável e apoio.

V. Cenário Atual e Estatísticas da Violência Psicológica no Brasil

A análise dos dados disponíveis sobre a violência psicológica no Brasil, especialmente após a promulgação da Lei 14.188/2021, revela um cenário complexo, marcado por um aumento nas denúncias e processos, mas também por desafios persistentes na conscientização e na resposta do sistema.

Dados Nacionais e Regionais de Ocorrências e Processos

Apesar da natureza sutil da violência psicológica, os dados indicam sua prevalência crescente. Até setembro de 2021, tramitavam quase 12 mil processos de violência psicológica em todo o país. No estado do Rio de Janeiro, o Dossiê Mulher 2022 revelou que foram registrados 36,8 mil casos de violência psicológica contra mulheres em 2021, representando um aumento de 18,15% em relação a 2020 (31,1 mil casos). Pela primeira vez desde 2014, a violência psicológica superou as violências físicas no estado. Especificamente o crime de violência psicológica (Art. 147-B) registrou 666 casos no Rio de Janeiro em 2021. Em 2024, a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 registrou mais de 101 mil denúncias de violência psicológica, indicando que é um crime recorrente e que o enfrentamento à misoginia online é um grande desafio contemporâneo.

Medidas Protetivas de Urgência Concedidas

Entre janeiro de 2020 e maio de 2022, o Brasil registrou 572.159 medidas protetivas de urgência para meninas e mulheres em situação de violência doméstica. Uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Instituto Avon e Consórcio Lei Maria da Penha revelou que 9 em cada 10 pedidos são deferidos pelo Judiciário, demonstrando adesão ao instrumento. No entanto, cerca de 30% dos pedidos são concedidos após o prazo de 48 horas previsto na Lei Maria da Penha, com algumas regiões apresentando atrasos superiores a 40%.

Nível de Conhecimento da Lei Maria da Penha pela População

Apesar dos avanços legislativos e da visibilidade crescente do tema, uma pesquisa em 2024 revelou que 75% das brasileiras afirmam conhecer pouco ou nada sobre a Lei Maria da Penha, mesmo após 17 anos de sua criação e o avanço das políticas públicas. Essa baixa conscientização é um fator crítico que impacta a efetividade das leis e a capacidade das vítimas de buscar ajuda.

Os dados estatísticos apresentam um panorama complexo. Embora haja um aumento observável nos casos de violência psicológica denunciados (por exemplo, um aumento de 18,15% no Rio de Janeiro ; mais de 101 mil chamadas ao Ligue 180 em 2024 ), essa tendência deve ser interpretada com cautela. Pode indicar um aumento real nos incidentes ou, de forma mais positiva, uma crescente disposição das vítimas em denunciar e um maior reconhecimento dessa forma de abuso, possivelmente impulsionado pela nova legislação. No entanto, essa tendência positiva é contrastada com a dura realidade de que 75% das mulheres brasileiras têm pouco ou nenhum conhecimento sobre a Lei Maria da Penha , que é a lei fundamental contra a violência de gênero. Essa significativa lacuna de conscientização sugere fortemente que, apesar do aumento observado nas denúncias, a verdadeira prevalência da violência psicológica provavelmente ainda é vastamente subestimada devido à subnotificação generalizada. Os dados sobre as medidas protetivas destacam ainda que, embora o Judiciário esteja em grande parte concedendo essas ordens, persistem atrasos sistêmicos, indicando que mesmo quando as vítimas superam as barreiras para denunciar, a resposta do sistema nem sempre é tão rápida quanto o exigido. Essa interação complexa sublinha que, embora as mudanças legislativas sejam cruciais, seu impacto total é limitado pela conscientização pública e pela eficiência sistêmica.

A Tabela 3 a seguir consolida as principais estatísticas da violência psicológica no Brasil após 2021, fornecendo um panorama quantitativo da situação.

Tabela 3: Estatísticas de Violência Psicológica no Brasil (Pós-2021)

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VI. Canais de Denúncia e Rede de Atendimento às Vítimas

A existência de canais acessíveis e uma rede de atendimento especializada são cruciais para que as vítimas de violência psicológica possam buscar ajuda e romper o ciclo de abuso. O Brasil tem investido na criação e no fortalecimento desses recursos.

Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180

A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é um serviço de utilidade pública essencial, oferecido pelo governo federal por meio do Ministério das Mulheres. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. O Ligue 180 oferece orientação sobre leis, direitos das mulheres e serviços da rede de atendimento, que inclui a Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM), Defensorias Públicas e Núcleos Integrados de Atendimento. É possível acionar o canal por ligação de qualquer lugar do Brasil ou via chat no WhatsApp (61) 9610-0180.

Polícia Militar (190)

Em situações de emergência e risco iminente à integridade física ou psicológica da vítima, a Polícia Militar deve ser acionada imediatamente por meio do número 190. Este é o canal para intervenções rápidas e urgentes.

Programa “Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica e Familiar”

Criado pela Lei 14.188/2021, o programa “Sinal Vermelho” oferece uma forma discreta para a mulher sinalizar sua situação de violência. Ao exibir a letra “X” escrita na palma da mão, preferencialmente em vermelho, em estabelecimentos comerciais e públicos parceiros, a vítima deve ser encaminhada para assistência especializada. Este programa é uma resposta à necessidade de mecanismos de denúncia que considerem a vulnerabilidade e o medo da vítima.

SaferNet Brasil

Para crimes e violações contra os Direitos Humanos na Internet, a SaferNet Brasil oferece um serviço de recebimento de denúncias anônimas. Este canal é particularmente relevante para casos de violência psicológica online, que têm se tornado cada vez mais frequentes e complexos, especialmente com o uso de tecnologias como a Inteligência Artificial.

Rede Catarina (Polícia Militar de Santa Catarina)

A Rede Catarina é um exemplo de programa regional, implementado pela Polícia Militar de Santa Catarina, focado na prevenção da violência doméstica e familiar. Em Lages (SC), a Rede Catarina identifica a violência psicológica na maioria dos casos atendidos, demonstrando a importância de iniciativas locais e especializadas que atuam diretamente na base da comunidade.

A existência de uma gama diversificada de canais de apoio, que vai do onipresente Ligue 180 e do número de emergência 190, ao inovador “Sinal Vermelho” e plataformas online especializadas como a SaferNet, demonstra um esforço estratégico para abordar a natureza multifacetada da violência psicológica. Essa diversificação é crucial porque o abuso psicológico frequentemente ocorre em ambientes privados, deixando as vítimas isoladas e incapazes de falar abertamente. Métodos discretos como o “Sinal Vermelho” diminuem a barreira para buscar ajuda, reconhecendo o medo e a vulnerabilidade da vítima. A inclusão de mecanismos de denúncia online (SaferNet) e as recentes atualizações legais relacionadas à IA destacam a adaptação do sistema ao ambiente digital, onde a violência psicológica é cada vez mais prevalente. Essa abordagem em camadas é essencial para alcançar vítimas em diversas circunstâncias, superar as barreiras à denúncia e fornecer apoio personalizado, aumentando assim a eficácia geral do arcabouço legal.

VII. Conclusão: Perspectivas e Recomendações para o Enfrentamento da Violência Psicológica

A criminalização da violência psicológica pela Lei 14.188/2021 representa um marco fundamental no Brasil, elevando a gravidade desse tipo de abuso e ampliando as ferramentas de proteção legal. A Lei Maria da Penha (11.340/2006) permanece como a espinha dorsal da proteção, fornecendo a base para a definição e o enfrentamento da violência de gênero em suas diversas formas. A possibilidade de concessão de medidas protetivas com base no risco à integridade psicológica e a criação do programa “Sinal Vermelho” são avanços significativos na prevenção e intervenção.

Apesar dos avanços legislativos, persistem desafios significativos que impedem a plena efetividade da proteção. A subjetividade da violência psicológica, a inerente dificuldade probatória, a necessidade de capacitação aprofundada dos profissionais do sistema de justiça e a persistente baixa conscientização pública sobre a legislação continuam sendo obstáculos. As estatísticas, embora crescentes em número de denúncias, provavelmente ainda sub-representam a real prevalência do problema, indicando uma vasta subnotificação.

A análise abrangente do arcabouço legal e de sua aplicação revela que, embora a criminalização da violência psicológica seja uma conquista legislativa monumental, sua verdadeira eficácia está condicionada a uma abordagem holística e sistêmica. Os desafios persistentes, que vão desde a dificuldade inerente em provar o dano subjetivo até a falta de treinamento especializado para profissionais do direito e a ampla falta de conscientização pública, demonstram que as disposições legais por si só são insuficientes. A “abordagem global” e a necessidade de “instrumentalizar outras políticas públicas efetivas” não são meras sugestões, mas necessidades críticas. Isso implica que a criminalização serve como uma ferramenta punitiva e dissuasória vital, mas a proteção e prevenção genuínas exigem investimentos concertados em capital humano (treinamento para todas as partes interessadas ), educação pública (para promover o reconhecimento e a denúncia ), cooperação interinstitucional (para apoio integrado à vítima ) e avaliação contínua baseada em dados. Sem esse ecossistema abrangente, a lei corre o risco de permanecer uma poderosa declaração de intenções em vez de um instrumento totalmente realizado de justiça e transformação social.

Diante disso, são apresentadas as seguintes recomendações estratégicas para o futuro:

  • Capacitação e Especialização Profissional: É imperativo investir continuamente na formação e especialização de todos os profissionais que atuam no sistema de justiça (policiais, promotores, juízes, defensores públicos, psicólogos forenses) para aprimorar a identificação, avaliação e manejo de casos de violência psicológica. Isso inclui o desenvolvimento de protocolos padronizados e a criação de exames psicológicos específicos para fundamentar ações policiais e judiciais, superando a dificuldade probatória.
  • Fortalecimento das Campanhas de Conscientização: É crucial intensificar as campanhas educativas em nível nacional para informar a população sobre o que constitui violência psicológica, seus impactos devastadores e, fundamentalmente, os canais de denúncia e apoio disponíveis. O objetivo é aumentar a autopercepção das vítimas e o conhecimento da lei, superando a lacuna de informação revelada por pesquisas.
  • Abordagem Multidisciplinar e Integrada: A penalização não pode ser encarada como uma medida resolutiva isolada. É fundamental reforçar a rede de atendimento com equipes multidisciplinares (psicólogos, assistentes sociais, advogados) que ofereçam suporte integral e contínuo às vítimas, desde o acolhimento inicial até o acompanhamento psicossocial e jurídico. Essa abordagem integrada é essencial para romper o ciclo de violência e garantir a recuperação das mulheres.
  • Monitoramento e Pesquisa Baseados em Evidências: A continuidade e o aprofundamento de estudos e da coleta de dados sobre a violência psicológica, incluindo a aplicação da jurimetria, são cruciais para avaliar a eficácia das leis e políticas públicas, identificar lacunas e subsidiar futuras intervenções e aprimoramentos legislativos.
  • Adaptação Contínua à Era Digital: O aumento da pena para violência psicológica com uso de Inteligência Artificial é um passo importante, mas a legislação e os mecanismos de combate devem ser aprimorados continuamente para enfrentar as novas e complexas formas de violência psicológica que surgem no ambiente digital, garantindo que a internet não seja uma “terra sem lei”.

O enfrentamento da violência psicológica é um processo contínuo que exige não apenas leis robustas, mas também uma transformação cultural profunda e um sistema de apoio que garanta a proteção integral, a dignidade e a plena autonomia das mulheres no Brasil.

Referências

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Escrito por Bruna Sobczack. Especialista em Direito Imobiliário, Notarial, Registral e Tributário

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BRUNA SOBCZACK

Especialista em Direito Imobiliário, Notarial e Registral, com foco estratégico em Planejamento e Recuperação Tributária para negócios e patrimônio.

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