Teoria do Negócio Jurídico: Uma Análise Abrangente

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O negócio jurídico assume um papel central no Direito Civil, com implicações significativas nas relações interpessoais e no funcionamento do mercado. Este artigo tem como objetivo aprofundar os aspetos essenciais do negócio jurídico, desde a sua conceituação e classificação até aos seus elementos constitutivos, planos de existência, validade e eficácia, bem como a sua interpretação. Pretende-se, assim, oferecer uma visão abrangente e detalhada, acessível ao público em geral, mas com a profundidade necessária para uma compreensão mais completa deste instituto jurídico fundamental.

Fato Jurídico e Negócio Jurídico

Para uma correta compreensão do negócio jurídico, é essencial distingui-lo do fato jurídico. O fato jurídico é definido como qualquer evento ou acontecimento que, direta ou indiretamente, acarreta algum tipo de consequência jurídica, provocando a aquisição, modificação ou extinção de um direito subjetivo.

Os fatos jurídicos podem ser classificados em duas categorias principais:

  • Fatos jurídicos em sentido estrito (ou fatos naturais): São eventos naturais, como o cair da chuva ou a queda de uma árvore, que produzem efeitos jurídicos.
  • Atos jurídicos (ou fatos humanos): São eventos resultantes da conduta humana, como a construção de uma casa ou a celebração de um contrato.

O negócio jurídico, objeto central deste artigo, enquadra-se na categoria dos atos jurídicos lícitos. É caracterizado como uma declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos, ou seja, a criar, modificar, transferir, conservar ou extinguir direitos.

Elementos Essenciais do Negócio Jurídico

Para que um negócio jurídico seja considerado válido e apto a produzir os efeitos desejados, é necessário que observe determinados requisitos, conforme estabelecido no artigo 104 do Código Civil Brasileiro:

  • Agente Capaz: O negócio jurídico deve ser realizado por um agente capaz, ou seja, uma pessoa com idade igual ou superior a 18 anos. A lei prevê algumas exceções, como a emancipação, em que menores de 18 anos podem adquirir a capacidade plena para a prática de atos da vida civil. Caso o agente seja incapaz, o negócio jurídico deverá ser realizado por representação (no caso de incapacidade absoluta) ou assistido (no caso de incapacidade relativa).
  • Objeto Lícito, Possível, Determinado ou Determinável: O objeto do negócio jurídico deve ser lícito, ou seja, não pode contrariar a lei, a ordem pública ou os bons costumes. Além disso, deve ser possível, tanto física quanto juridicamente, e determinado (especificado) ou, ao menos, determinável (suscetível de especificação).
  • Forma Prescrita ou Não Defesa em Lei: A forma do negócio jurídico é, em regra, livre, ou seja, não depende de uma solenidade específica. No entanto, a lei pode exigir uma forma especial para a validade de determinados negócios jurídicos, como a escritura pública para a compra e venda de imóveis com valor superior a 30 salários mínimos.

Vontade e Declaração

A vontade é um elemento basilar do negócio jurídico, sendo a mola propulsora que impulsiona a sua criação. No entanto, para que a vontade produza efeitos no mundo jurídico, não basta a mera intenção; é imprescindível que seja declarada, ou seja, que se manifeste de forma exteriorizada.

O Código Civil de 2002, no seu artigo 112, valoriza a intenção das partes em relação ao sentido literal da linguagem utilizada na declaração de vontade. Isso significa que, na interpretação do negócio jurídico, o intérprete deve buscar a real intenção dos declarantes, mesmo que esta não esteja expressa de forma clara e inequívoca no instrumento negocial.

A declaração da vontade pode ser expressa (verbal, escrita ou gestual) ou tácita (resultante de um comportamento que indica a intenção de contratar). Em certas situações, o silêncio pode ser interpretado como manifestação de vontade, desde que a lei, as circunstâncias ou os usos o autorizem.

Classificação dos Negócios Jurídicos

Os negócios jurídicos podem ser classificados de acordo com diferentes critérios:

Quanto à Manifestação da Vontade:

  • Unilateral: A vontade emana de uma única parte, como no caso do testamento ou da renúncia a uma herança.
  • Bilateral: Resulta do encontro de duas ou mais vontades contrapostas, como no contrato de compra e venda.
  • Complexo: Resulta da convergência de diversas vontades em um mesmo sentido, como na constituição de uma sociedade.

Quanto à Vinculação:

  • Causais: A sua validade depende da existência de uma causa, como nos contratos em geral.
  • Abstratos: A sua validade é independente da causa que lhes deu origem, como nos títulos de crédito.

Quanto ao Objeto:

  • Onerosos: Ambas as partes auferem vantagens e assumem obrigações, como na compra e venda.
  • Gratuitos: Apenas uma das partes aufere vantagens, como na doação pura.
  • Comutativos: As prestações são certas e determinadas desde o início, como na compra e venda de um imóvel.
  • Aleatórios: A prestação de uma ou de ambas as partes depende de um evento futuro e incerto, como no contrato de seguro.

Quanto ao Tempo em que Devem Produzir Efeitos:

  • Causa mortis: Produzem efeitos apenas após a morte do declarante, como o testamento.
  • Inter vivos: Produzem efeitos durante a vida do declarante, como o contrato de locação.

Quanto à Formalidade:

  • Solenes (ou formais): A lei exige uma forma específica para a sua validade, como o casamento.

Não solenes (ou informais): A lei não exige uma forma específica, como a compra e venda de bens móveis de pequeno valor.

Eficácia do Negócio Jurídico

A eficácia do negócio jurídico reporta-se à produção dos efeitos concretos que as partes pretendem alcançar com a sua celebração. A eficácia pode ser influenciada por determinados elementos, denominados elementos acidentais, que modulam os seus efeitos:

  • Condição: É um evento futuro e incerto que subordina a eficácia do negócio jurídico. A condição pode ser suspensiva (quando o negócio só produzirá efeitos se o evento se concretizar) ou resolutiva (quando o negócio produz efeitos desde logo, mas deixará de produzi-los se o evento se concretizar).
  • Termo: É um evento futuro e certo que determina o início (termo inicial) ou o fim (termo final) da eficácia do negócio jurídico.
  • Encargo: É uma obrigação imposta ao beneficiário em negócios jurídicos gratuitos, como a doação de um terreno com a obrigação de construir uma escola.

Interpretação do Negócio Jurídico

A interpretação do negócio jurídico é a atividade que visa determinar o sentido e o alcance da declaração de vontade. O objetivo principal da interpretação é compreender a intenção das partes no momento da celebração do negócio.

O Código Civil, no seu artigo 112, estabelece que, na interpretação dos negócios jurídicos, se deve atender mais à intenção das partes do que ao sentido literal da linguagem. Além disso, o artigo 113 determina que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração.

Na interpretação, é fundamental considerar.

A boa-fé objetiva.

Os costumes do local da celebração.

A função social do contrato.

Conclusão

O negócio jurídico é um instrumento fundamental para a autonomia privada e para a organização das relações jurídicas. O conhecimento aprofundado dos seus elementos, características e princípios é essencial para todos os cidadãos, bem como para os profissionais do Direito, Economia e áreas afins.

Referências:

Brasil. Código Civil Brasileiro. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: parte geral. vol. 1, 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

Monteiro, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: parte geral. vol 1. 39ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. 1, 21ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005.

Reale, Miguel. Lições preliminares de direito. 8ª ed. São Paulo: Saraiva. 1981.

Tartuce, Flávio. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. vol. 1, 8ª ed., São Paulo: Editora Método, 2012.

Venosa, Sílvio de Sávio. Direito Civil. vol. 1, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Wald, Arnoldo. Direito Civil: introdução e parte geral. vol. 1. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

Sobre o autor:

Bruna Sobczack

Bacharel em Direito | Pós-Graduanda em Direito Notarial, Registral, Negocial e Imobiliário | Cursando Ciências Contábeis | Aprovada no Concurso para Procurador em Guabiruba/SC e Brusque/SC, Professor de Direito em Bombinhas/SC, Celesc (1º lugar) | Participante do Programa Academia Notarial no Tabelionato de Notas e Protesto de Porto Belo/SC.

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