Sobre a Autora: Bruna Sobczack
Bacharela em Direito, pós-graduanda em Direito Notarial, Registral, Negocial e Imobiliário, com especialização também em Planejamento e Restituição Tributária. Colunista do *Portal Cidade no Ar*, onde escreve sobre temas jurídicos e contábeis com uma abordagem clara e acessível. Atualmente cursa Ciências Contábeis, integrando conhecimentos das áreas jurídica e fiscal. Aprovada nos concursos para Procuradora dos Municípios de Guabiruba/SC e Brusque/SC, e em 1º lugar no concurso da CELESC. Também foi aprovada no concurso para Professora de Direito do Município de Bombinhas/SC.
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Resumo: A incorporação imobiliária representa um dos institutos mais relevantes para o setor da construção civil e o desenvolvimento urbano no Brasil. Disciplinada pela Lei nº 4.591/1964 e com interfaces importantes com o Código Civil (Lei nº 10.406/2002), o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça e os Provimentos estaduais, a incorporação envolve aspectos registrais, obrigacionais e consumeristas. Este artigo visa apresentar uma análise crítica e fundamentada do instituto, com destaque para seus aspectos legais e normativos, promovendo reflexões relevantes para juristas, registradores e operadores do direito imobiliário.
INTRODUÇÃO
A incorporação imobiliária é o instrumento jurídico que permite a edificação de condomínios edilícios, cuja construção se dá mediante a venda de unidades autônomas ainda na planta. Por seu caráter complexo, a incorporação envolve uma série de obrigações legais, formais e materiais, de modo a garantir a segurança jurídica aos adquirentes e a viabilidade financeira ao incorporador. Mais do que uma questão técnica, a incorporação exige atuação jurídica especializada, com olhar atento à legislação, à jurisprudência e à prática cartorial.
CONCEITO E FUNDAMENTO LEGAL
Nos termos do art. 28 da Lei nº 4.591/1964, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações compostas por unidades autônomas, cuja existência futura é assegurada mediante registros prévios e documentação específica. O art. 32 da referida lei elenca os documentos obrigatórios para o registro da incorporação no cartório de registro de imóveis, conferindo publicidade e segurança ao negócio.
O Código Civil também regula aspectos importantes, como a instituição de condomínio edilício (arts. 1.331 a 1.358), reforçando os requisitos de individualização das unidades, áreas comuns, e os direitos e deveres dos condôminos. A interação entre a Lei nº 4.591/1964 e o Código Civil é essencial para a compreensão sistêmica do instituto, especialmente no que tange à transmissão de propriedade, obrigações entre particulares e proteção contratual dos adquirentes.
REGISTRO E FORMALIDADES
A efetividade da incorporação depende do registro no cartório de registro de imóveis, procedimento que exige rigor formal e documental. O Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça (versão 2023) detalha os requisitos técnicos e administrativos para o ingresso do memorial de incorporação, com especial atenção às certidões negativas, projeto aprovado e provas de propriedade ou de autorização do proprietário do terreno.
No âmbito estadual, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por exemplo, por meio do Provimento nº 14/2025, estabelece diretrizes específicas para a atuação dos cartórios extrajudiciais, assegurando padronização e transparência no processo de registro da incorporação. O Provimento exige, por exemplo, que o memorial de incorporação venha acompanhado de projeto arquitetônico aprovado e anotado na prefeitura, além de comprovantes de tributos pagos.
Exemplo prático: imagine um incorporador que deseje erguer um edifício de 10 andares em terreno próprio. Antes de iniciar as vendas das unidades na planta, ele deverá apresentar toda a documentação exigida no art. 32 da Lei 4.591/64, incluindo o projeto aprovado, a convenção do condomínio e o memorial descritivo. Somente após o registro da incorporação ele estará habilitado a comercializar as frações ideais e unidades futuras.
RESPONSABILIDADE DO INCORPORADOR
O incorporador, que pode ser pessoa física ou jurídica, assume relevante responsabilidade contratual e legal. Ele responde por evicção, por inadimplemento da entrega da obra no prazo e por eventuais vícios construtivos. A responsabilidade é reforçada pelo art. 43 da Lei nº 4.591/1964, que impõe a prestação de contas quando houver regime de administração, e pelo art. 618 do Código Civil, que determina prazo de cinco anos para a responsabilização por defeitos estruturais.
Um exemplo ilustrativo é o caso de um empreendimento em que o incorporador, após comercializar as unidades, atrasa por mais de dois anos a entrega da obra. Além das cláusulas penais previstas no contrato, os adquirentes podem exigir judicialmente a rescisão contratual cumulada com perdas e danos, com base na responsabilidade objetiva do incorporador, sobretudo quando há manifesta negligência ou uso indevido dos recursos recebidos em regime de afetação.
A Lei nº 10.931/2004, que introduziu o regime de patrimônio de afetação, é um mecanismo de proteção aos adquirentes, assegurando que os recursos do empreendimento permaneçam vinculados exclusivamente à obra, mesmo em caso de falência do incorporador. Essa previsão é fundamental na prática moderna da incorporação e deve constar expressamente no memorial e nos contratos de compra e venda.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA PRÁTICA JURÍDICA
A atuação do advogado na incorporação imobiliária ultrapassa a mera elaboração contratual. Envolve assessoria completa em due diligence do terreno, análise de viabilidade jurídica, estruturação da incorporação (inclusive em SPEs), redação de instrumentos de venda, instituição de condomínio, convenção condominial e acompanhamento cartorial.
Advogados especializados têm se destacado ao oferecer serviços preventivos, inclusive com pareceres jurídicos pré-registro e pareceres para autorização de financiamento bancário, fortalecendo a segurança jurídica do projeto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A incorporação imobiliária é mais do que um procedimento técnico: trata-se de um instituto que exige profundo conhecimento jurídico e habilidade prática. O profissional do direito que atua na área imobiliária precisa dominar os fundamentos legais, os ritos registrais e os riscos associados à atividade incorporativa. O fortalecimento da atuação jurídica nessa seara representa não apenas segurança aos clientes, mas também um diferencial competitivo no mercado. Incorporadores, registradores, adquirentes e investidores dependem cada vez mais de uma atuação jurídica robusta, bem fundamentada e estratégica.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o Condomínio em Edifícios e as Incorporações Imobiliárias. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm. Acesso em: 16 abr. 2025.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 16 abr. 2025.
BRASIL. Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004. Dispõe sobre o patrimônio de afetação, o regime especial de incorporação imobiliária e a cédula de crédito imobiliário. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.931.htm. Acesso em: 16 abr. 2025.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça. Versão 6, 2023. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/08/codigo-nacional-de-normas-da-corregedoria-nacional-de-justica-v6-23-08-2023.pdf. Acesso em: 16 abr. 2025.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. Provimento nº 14/2025. Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça – Serviços Notariais e de Registro. Disponível em: https://www.tjsc.jus.br/documents/815612/19065765/C%C3%B3digo_Normas_Extrajudicial_Atualizado_Provimento14_2025_atualizado.pdf. Acesso em: 16 abr. 2025.