Pecunia Non Olet: Por Que o Fisco Pode Tributar Rendas de Atividades Ilícitas? O Caso Al Capone.

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O Direito Tributário brasileiro, alicerçado no Artigo 3º do Código Tributário Nacional (CTN), traz uma definição precisa de tributo, atribuída a Rubens Gomes de Souza. Um dos pilares dessa definição é a cláusula “que não constitua sanção de ato ilícito”. Essa expressão é crucial para diferenciar o tributo de uma multa, indicando que o tributo não tem como objetivo principal punir a prática de um ato ilegal. Contudo, essa premissa não significa que as rendas ou o patrimônio resultantes de atividades ilícitas estejam imunes à tributação. Pelo contrário, é aqui que entra em cena um dos princípios mais emblemáticos do Direito Tributário: o Princípio do pecunia non olet – “o dinheiro não cheira”.

A Distinção entre Tributo e Multa

A essência da definição de tributo é que ele não constitui uma sanção de ato ilícito. Isso implica que multas de trânsito ou multas por dano ambiental, por exemplo, não são consideradas tributos, pois sua finalidade é punir condutas proibidas por lei. A finalidade do tributo é arrecadar com base em um fato gerador que demonstre capacidade contributiva, e não reprimir ou coibir atos ilícitos.

É importante não confundir essa distinção com a extrafiscalidade. O tributo pode, sim, ser usado como um meio para desestimular certas atividades que o Poder Público considera indesejáveis, sem que estas sejam ilícitas. Um exemplo é o aumento progressivo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) para desestimular a manutenção de latifúndios, visto que possuir grandes áreas rurais não é um ato ilícito.

O Princípio do Pecunia Non Olet e a Tributação de Ilícitos

O Princípio do pecunia non olet autoriza a cobrança de tributos, abstraindo-se completamente da licitude dos atos ou fatos que lhe deram causa. Isso significa que a origem da renda ou do patrimônio – seja ela lícita ou ilícita – é irrelevante para a obrigação de pagar tributos.

A doutrina majoritária esclarece que a hipótese de incidência do tributo não pode descrever atos ilícitos, pois, como mencionado, o tributo não é uma punição. No entanto, atos ilícitos podem gerar renda ou patrimônio que se enquadram perfeitamente na descrição legal de um fato gerador de tributo, como a aquisição de renda.

Vejamos exemplos práticos trazidos pelas fontes:

  • Se alguém aufere renda mediante a prática de atos proibidos, como lenocínio, jogo do bicho ou tráfico de entorpecentes, essa renda deve ser tributada da mesma forma que os rendimentos provenientes de atividades lícitas, como medicina, engenharia ou advocacia. O fato gerador do imposto de renda é a aquisição de renda, e a forma como ela foi auferida é irrelevante.
  • Não se poderia, contudo, conceber o serviço de prostituição como hipótese de incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS).
  • Um comerciante que opera sem estar legalmente constituído será compelido a pagar o ICMS e demais tributos da atividade comercial, além das multas cabíveis por suas irregularidades.

Permitir o contrário, ou seja, isentar rendas de atividades ilícitas, seria incoerente com o sistema e injusto. Isso incentivaria a clandestinidade e concederia um tratamento tributário mais favorável a infratores da lei do que àqueles que agem dentro da legalidade.

O Caso Al Capone como Ilustração

O famoso episódio americano da prisão definitiva de Al Capone, em 1931, é um exemplo clássico da aplicação do princípio pecunia non olet. Condenado a 11 anos de prisão em Alcatraz, Capone foi sentenciado não por seus atos mafiosos diretamente, mas sim por sonegação fiscal do imposto de renda. Isso demonstra que, independentemente da origem criminosa de sua fortuna, o Estado tinha o direito de tributá-la, e a falha em fazê-lo era uma infração fiscal punível.

Conclusão

A aplicação do Princípio do pecunia non olet é uma manifestação da neutralidade da norma tributária em relação à moralidade ou licitude da fonte da riqueza. Enquanto o tributo não pode ter natureza de sanção, o fato gerador, ao incidir sobre manifestações de capacidade contributiva, abrange rendas e patrimônios, independentemente de sua origem. Essa abordagem assegura que o sistema tributário cumpra sua função arrecadatória de forma universal, evitando privilégios indevidos e reforçando a integridade do sistema como um todo.


Escrito por Bruna Sobczack. Especialista em Direito Imobiliário, Notarial, Registral e Tributário. Descubra como a estratégia jurídica certa pode ser a chave para sua próxima grande conquista: http://www.brunasobcack.com.br

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